
Ricardo Cohen - médico, head do Centro Especializado em Obesidade e Diabetes do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, presidente mundial da Federação Internacional de Cirurgia da Obesidade e Distúrbios Metabólicos.
Você já deve ter ouvido falar que o índice de massa corporal (IMC) é usado para identificar a obesidade, certo? Pois bem, um grupo internacional de 58 especialistas — entre os quais eu tive a honra de participar — acaba de publicar, no The Lancet Diabetes & Endocrinology, uma nova forma de entender e diagnosticar a obesidade. A ideia é ir além do IMC, que nem sempre conta toda a história, e adotar critérios mais justos e precisos para avaliar o impacto da gordura corporal na saúde.
O consenso aponta que o IMC ainda é útil para triagem em larga escala, mas, no nível individual, é preciso confirmar o excesso de gordura por meio de exames, como a medida da composição corpórea (Dexa ou bioimpedância) ou medidas da circunferência da cintura e outras proporções corporais — sempre considerando a idade, o gênero e a etnia da pessoa. Para quem tem IMC acima de 40 kg/m², presume-se o excesso de gordura sem necessidade de testes adicionais.
Outra novidade importante foi a distinção entre obesidade pré-clínica e obesidade clínica. A pré-clínica é aquela em que há excesso de gordura, mas sem prejuízos funcionais aos órgãos — embora o risco de desenvolver doenças como diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares e certos tipos de câncer esteja aumentado. A obesidade clínica ocorre quando o excesso de gordura começa a afetar o funcionamento do organismo, causando sintomas, como a apneia do sono, dores articulares crônicas e dificuldades para a execução de atividades do dia a dia.
Para diagnosticar a obesidade clínica, é necessário confirmar o excesso de gordura e identificar ao menos um dos seguintes critérios, como evidências de disfunção em algum órgão ou limitações significativas na realização de tarefas diárias. Os sinais clínicos variam de acordo com a idade. Em adultos, entre os 18 sinais e sintomas, foram incluídos a insuficiência cardíaca, acúmulo de gordura no fígado, comprometimento renal (microalbuminúria), incontinência urinária, síndrome dos ovários policísticos e dores articulares. Em crianças e adolescentes, são avaliados fatores como o desenvolvimento físico, metabólico e motor.
O tratamento da obesidade clínica, por meio de medicações ou cirurgia bariátrica, deve ser priorizado visando melhorar ou reverter os sintomas da doença, evitando danos permanentes no organismo. O acompanhamento médico deve ser contínuo, com reavaliações periódicas para ajustar o plano terapêutico conforme os resultados alcançados. No caso da obesidade pré-clínica, o foco é a prevenção, com orientações de saúde, acompanhamento regular e, em alguns casos, prescrição de medicamentos ou cirurgia — especialmente quando há alto risco de progressão para a obesidade clínica. As mudanças no estilo de vida, incluindo uma alimentação equilibrada e a prática regular de atividades físicas, são fundamentais tanto na prevenção quanto no tratamento da obesidade.
Além das questões médicas, o documento publicado no The Lancet Diabetes & Endocrinology enfatiza a importância de combater o preconceito em torno do peso, que ainda impede muitas pessoas de buscarem o tratamento adequado. Profissionais de saúde e autoridades devem adotar uma abordagem mais empática e baseada em evidências científicas, deixando de lado estigmas e julgamentos. O acolhimento sem discriminação contribui não apenas para o sucesso do tratamento, mas também para melhorar a autoestima e qualidade de vida dos pacientes.
As novas definições também ajudam a orientar as políticas de saúde, públicas e privadas, garantindo que quem vive com obesidade clínica tenha o ao tratamento necessário, sem precisar apresentar outras doenças associadas. Essa mudança é crucial, pois reconhece a obesidade como uma condição de saúde independente, que merece atenção e cuidados específicos. Com essas mudanças, o objetivo é tornar o diagnóstico, o tratamento e a prevenção da obesidade mais eficazes, melhorando a qualidade de vida das pessoas e reduzindo o impacto dessa condição nos sistemas de saúde em todo o mundo.