
No próximo 15 de março, o Brasil celebra 40 anos da redemocratização. Foi neste dia que José Sarney tomou posse como presidente do Brasil no lugar de Tancredo Neves. Nunca é demais lembrar de tudo o que construímos até aqui, até porque o sonho golpista permanece entrincheirado no submundo político, como vimos na recente denúncia da Procuradoria-Geral da República. E se é de memória da democracia brasileira que falamos, não há ninguém melhor para conversar do que José Sarney, ex-presidente, escritor e imortal da Academia de Letras do Brasil.
Perto de completar 95 anos, Sarney recebeu o Correio em sua casa para recordar daquela que foi a transição mais importante da nossa história política recente. Da ditadura militar para o Estado Democrático, não foram poucos os momentos tensos, as ameaças de retorno, as negociações para ter uma Constituição cidadã. Publicada hoje, a primeira de uma série de entrevistas para falar sobre o aniversário da redemocratização, Sarney relembra agens importantes daquele período.
Conta que, por diversas vezes, civis tentaram cooptar militares para voltar ao poder. Mas também reflete sobre a atualidade no Brasil. Apesar de pontuar sequelas políticas que o país precisará enfrentar se quiser prosperar, é otimista em relação à preservação da democracia.
"Criamos instituições tão fortes que elas resistiram a dois impeachments e uma tentativa de mudança de regime, como todos agora estamos vivendo. Então, eu acho que nós, agora, estamos num caminho irreversível. Quer dizer, nós não teremos mais, de nenhuma maneira, esses tipos de ações...Mas, para isso, temos um encontro marcado com uma mudança política profunda que o Brasil ainda não teve", disse na entrevista.
Um dos mais importantes desafios, segundo ele, é uma grande reforma política e eleitoral. Hoje, para ele, existe uma "judicialização da política" — políticos teimam em criar leis inconstitucionais. E, com isso, a Justiça precisa decidir questões políticas, levando também a uma "politização do Judiciário", incluindo potenciais excessos nessa relação.
Romper esse ciclo é fundamental. E a pela questão partidária. "Nós não temos vivência de partidos políticos. Basta dizer que é de 1946 a Lei Agamenon Magalhães, que nós voltamos a ter partidos nacionais, que nós tínhamos partidos estaduais. Isso fez com que nós tivéssemos um atraso muito grande em relação a países mesmo menores daqui da América Latina... E, nós, não tendo alguma tradição partidária, não temos formação de lideranças. E hoje, de certo modo, nós estamos sentindo essa falta", refletiu.
Político mais longevo do país, com memória e lucidez privilegiadas, o relato de Sarney — publicado também em vídeo em todas as nossas plataformas digitais — sobre aqueles momentos tão fundamentais para nossa história democrática é um registro histórico fundamental. Mais um para a coleção do Correio, que guarda no Cedoc, nosso centro de documentação, uma cobertura muito extensa de toda a transição, incluindo a Constituinte.