MERCADO DE TRABALHO

Pessoas trans no mercado de trabalho: competência para vencer o preconceito

Pessoas trans enfrentam barreiras extras para conquistar vagas profissionais, mas, com dedicação e apoio, conseguem provar seu valor

Laura Scardua* - Estado de Minas
postado em 25/05/2025 15:52 / atualizado em 25/05/2025 15:53
Aos 26 anos, Layla Valgas é chefe do setor de frente de caixa em uma rede de supermercados, onde começou como repositora -  (crédito: Marcos Vieira /EM/DA. Press – 19/3/2025)
Aos 26 anos, Layla Valgas é chefe do setor de frente de caixa em uma rede de supermercados, onde começou como repositora - (crédito: Marcos Vieira /EM/DA. Press – 19/3/2025)

“A oportunidade que eles me deram foi muito importante para mim, muito importante para o meu meio. Minhas amigas (trans) também são CLT, não são de rua como eles querem que a gente seja”, afirma Layla Valgas, de 26 anos. Para ela, que é uma mulher trans, trabalhar, mostrar sua competência e evoluir dentro de uma empresa não é algo trivial, mas um diferencial entre pessoas que muitas vezes são barradas do mercado de trabalho pelo preconceito.

Atualmente, Layla é chefe de setor de frente de caixa, posição de liderança, no supermercado Apoio Mineiro, onde trabalha há quase oito anos. “Eu sempre fui muito acolhida, tanto no trabalho quanto em casa”, conta a jovem.

A rede varejista propiciou o primeiro emprego a Layla, que começou como repositora de prateleiras e ou por outros cargos antes de chegar ao atual. “Estou num lugar onde muitas pessoas não queriam que eu estivesse”, diz ela, que reconhece também o próprio mérito para alcançar o cargo.

A transição de gênero começou em fevereiro de 2018, bem no começo da trajetória no emprego, onde foi itida em dezembro de 2017. “Foi um baque para mim, para todo mundo. Era tudo novo, tanto para mim quanto para eles. Eu tive sorte de ter um gerente abençoado, fomos aprendendo um com o outro, eles me respeitando, abrindo portas para mim aqui dentro”, conta Layla. A jovem ressalta que se trabalhasse em outra empresa ou com outras pessoas envolvidas talvez não fosse tão bem acolhida.

Ela conta que desde o início teve o nome e os pronomes respeitados pelos colegas de trabalho, que também a apoiaram em situações externas. Layla diz que os casos de preconceito não são frequentes, e quando aconteceram foram por parte de clientes e no início da transição. “Eu sou uma pessoa bem tranquila. Nas vezes que aconteceu, preferi me retirar (…). Eu sempre tive acolhimento das pessoas ao meu redor, de estarem comigo, se impondo comigo”, conta.

Devido à boa experiência, Layla diz que se sente confiante para buscar outras oportunidades no mercado de trabalho no futuro e até mesmo ingressar na vida acadêmica. “Eu tenho o pensamento de que eu posso, de que eu consigo, lógico. Mas será que todo mundo vai ter a mentalidade que as pessoas aqui têm? Então tenho sempre um pé atrás”, afirma.

Desafios

Homem trans de 24 anos, J.M. conta que enfrentou muitos desafios no mercado de trabalho belo-horizontino, especialmente por parte dos empregadores. O jovem, que prefere não se identificar justamente para se resguardar, relata que teve as portas fechadas na área de formação por ser uma pessoa trans. “É uma grande frustração. Concluí a minha graduação, falo duas línguas, estou no mesmo patamar que qualquer pessoa da minha idade que acabou de sair da faculdade”, desabafa.

A falta de oportunidades na área de formação fez com que J.M. precisasse buscar emprego em outros setores, como no comércio. Ele já ocupou funções que têm muito contato com o público, como atendimento em bares e em feiras de brinquedos, o que foi um aspecto que escancarou a transfobia, especialmente antes dele ar pela harmonização e realizar mastectomia (retirada completa das mamas).

Ele conta que em alguns dias os contratantes pediam a ele que ficasse atrás do balcão ou que não atendesse clientes. “A sensação é que os patrões pensam assim: te contratei porque preciso de alguém para fazer isso para mim, mas não quero que você seja a imagem da minha empresa, do meu negócio.”

Além do preconceito dos patrões, o jovem relata que também já foi alvo de transfobia em entrevistas de emprego e por parte de colegas de trabalho e de clientes, especialmente em bares, onde o consumo de álcool é alto. Após realizar a cirurgia de retirada de mamas e começar a harmonização, os ataques diminuíram.

“Sou realmente respeitado. Antes, eu chegava em um lugar, falava meu nome e a recepcionista dava aquele sorrisinho que a gente sabe o que significa. Isso mudou bastante”, diz.

Atendimento ao público

Thammer Alafe, de 31 anos, é uma pessoa trans e trabalha com atendimento no Café Magrí, no Parque do Palácio das Mangabeiras. No geral, ela diz que o ambiente é tranquilo, apenas um ou outro cliente destoa. “Antes eu ligava muito para isso, às vezes ainda me afeta um pouquinho esses olhares o tempo todo, alguns de estranheza, mas no geral, com meu comportamento profissional, eu sou muito interativa, eu faço a pessoa se sentir à vontade”, explica.

Em casos de clientes com atitudes transfóbicas, ela diz receber apoio dos colegas de trabalho, que assumem o atendimento para tirá-la da situação. No entanto, há alguns funcionários do parque onde o café está localizado que têm resistência a ela.

Em relação aos patrões, a funcionária diz que a relação é boa e que foi respeitada desde quando iniciou a transição. “Confesso que ando com alguns medos, não tenho muita vontade de sair por causa de disforias e isso me traz um pouco de desconforto, mas no Magrí é uma coisa de trabalho. Eu visto minha camisa profissional porque eu preciso disso, se não, eu não consigo fazer as coisas que eu sonho para minha vida”, afirma.

Uma das proprietárias do Café Magrí, Marília Balzani acredita ser fundamental que empresas que contratam pessoas trans, ou de outro grupo minoritário, se posicionem claramente contra qualquer tipo de preconceito. “A gente sempre teve intervenções muito diretas para o cliente entender que aqui não é permitido (discriminações), e que não é um lugar para ele se sentir à vontade ou confortável nesse sentido”, afirma a empreendedora.

Ela acredita que esse posicionamento incisivo traz segurança para os funcionários, uma vez que eles podem hesitar em se defenderem ou a reportarem uma conduta inadequada por medo de os contratantes não os apoiarem diante dos clientes. “Todos os funcionários também são instruídos que se acontecer qualquer coisa nesse sentido eles têm total direito de se defender, se posicionar, de pedir para a pessoa ir embora”, diz a empresária, que não se priva de acionar a polícia em determinados casos.

Marília conta que quando o Café Magrí se mudou para o local onde está atualmente os casos de discriminação eram recorrentes, especialmente de racismo. Por isso, ela e o marido, também proprietário do estabelecimento, levaram um profissional da área da saúde mental e educação para instruir os funcionários sobre situações dessa natureza e condutas adequadas.

Além disso, ela afirma que há cartazes espalhados pelo café com os dizeres: “Para a promoção de um ambiente inclusivo e livre de discriminação declaramos que não toleramos: racismo, misoginia, transfobia, LGBTfobia, discursos de ódio”.

Hipersexualização

Vitor Velloso é dono do Bar Pirex, do Nimbos Bar e do restaurante Pacato, todos estabelecimentos de Belo Horizonte que têm ou já tiveram funcionários trans, também acredita ser imprescindível um posicionamento efetivo dos contratantes. E ressalta ser importante a atenção dos empregadores às atitudes menos explícitas dos clientes, que podem acontecer pelas costas dos funcionários, como a hipersexualização das pessoas trans, que ele nota ser recorrente.

“Nós recebemos mais de uma vez mensagens em rede social de pessoas perguntando ‘qual o nome daquela pessoa" allowfullscreen>

* Estagiária sob supervisão do subeditor Paulo Galvão

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação