
Para o trabalhador, mais tempo para a família e para capacitação profissional, redução do estresse e da sobrecarga, melhora na saúde mental. Para as empresas, aumento da produtividade, redução do absenteísmo, melhora no clima organizacional. Para o Estado, crescimento econômico, redução do desemprego e aumento da mão de obra qualificada. Esses são alguns dos argumentos apontados na luta por uma jornada de trabalho mais curta e sem redução salarial no Brasil.
Mais do que nunca, a pauta avança no país, agora com respaldo político e apoio popular. No Congresso Nacional, matérias, como a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 148/2015, em tramitação no Senado, defendem a humanização das relações trabalhistas e propõem reduzir progressivamente as horas semanais. Nas ruas, o Plebiscito Popular 2025 mobiliza sindicatos, juventude e organizações de base pelo fim da escala 6x1 e por uma nova reforma tributária.
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A PEC 148/15, de autoria do senador Paulo Paim (PT-RS), ganhou um novo capítulo neste mês, ao ser tema de um ciclo de debates na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde tramita atualmente. A proposta prevê uma redução gradual: no primeiro ano, a carga horária aria de forma imediata para 40 horas por semana; a cada ano seguinte, diminuiria uma hora até alcançar o limite de 36 horas semanais.
"A luta pela redução de jornada vem de muito tempo, de outros tempos. Só para lembrar que, lá no século 20, nós trabalhávamos mais de 16 horas por dia. E a Constituição de 1934 foi que garantiu as 48 horas semanais. Já a Constituição Cidadã, da qual eu fiz parte, fui constituinte, conseguimos emplacar as 44 horas semanais", contextualiza Paim ao Correio. "Em 2015, eu apresentei a PEC 148, que propõe a redução da jornada para 36 horas semanais, sem redução salarial", completa o parlamentar.
O relator da proposta na CCJ, senador Rogério Carvalho (PT-SE), deu parecer favorável à matéria. "Só os menos graduados são os que trabalham 44 horas. Portanto, para essa parcela da população, é fundamental que a gente tenha uma política para eles e que a gente possa reduzir a jornada de trabalho para que eles possam melhorar a sua qualidade de vida e também para garantir que a gente vai ter emprego para todos os brasileiros e todas as brasileiras", argumenta.
Tramitação
A série de audiências teve início no último dia 8 e segue em andamento na Casa, com outras seis sessões previstas antes da votação em plenário: três na CCJ, duas na Comissão de Direitos Humanos (CDH) e uma na Comissão de Assuntos Sociais (CAS).
Se aprovada na CCJ, a PEC segue para votação em plenário, onde são necessários ao menos 49 votos favoráveis — equivalentes a três quintos do total de 81 senadores. "Ela está pronta para ser votada na CCJ e depois no plenário. Sendo aprovada, precisa de 41 votos para o quórum, mas 49 para dar positivo", explica Paulo Paim.
Caso avance no Senado, o texto será encaminhado à Câmara dos Deputados, onde poderá ser unificado à PEC 8/2025, protocolada pela deputada Érika Hilton (PSOL-SP). "Se for aprovada lá primeiro, pode ser apensada à nossa aqui. Mas se for aprovada aqui primeiro, será a nossa PEC que seguirá para análise na Câmara", afirma o senador. "O importante é construir um grande entendimento entre todos que tenham projeto nesse sentido", completa.
O parlamentar diz que ainda não há previsão para a deliberação final, mas que a pressão da sociedade será determinante. "Previsão não tem, porque esses temas dependem também de mobilização popular, seja por redes sociais, seja presencial. Ele pode ser votado neste ano, como pode ficar para o ano que vem. Mas não podemos parar", frisa.
Impactos
Como a polêmica do tema, naturalmente, surgem posicionamentos contrários à pauta. Nesse contexto, Paulo Paim rebate as críticas que preveem prejuízo econômico: "É totalmente equivocado. Quando nós reduzimos de 48 para 44, o argumento era o mesmo. Foi exatamente o contrário. Como aumentou a produtividade, nós avançamos."
De acordo com ele, a medida pode ter efeito, também, na geração de novos postos formais. "Se você reduzir a jornada de imediato, de 44 para 40, você gera em torno de 3 milhões de novos empregos. Teremos 3 milhões de novas pessoas trabalhando, produzindo, recebendo, consumindo. Todos ganham. Ganha o empresário, ganha o trabalhador e ganha o próprio Estado, que a a arrecadar mais", diz.
O senador ressalta a importância da proposta diante das transformações trazidas pelas novas tecnologias. "A redução da jornada para 36 horas semanais tem inúmeros benefícios: qualidade de vida, mais tempo para o lazer, mais tempo para estudar, para fazer, por exemplo, ensino técnico. Analisando o que nós temos com a inteligência artificial, a robótica, a cibernética. No mundo do trabalho, com as novas tecnologias, você não tem como manter os empregos se não for reduzindo a jornada", diz.
Além disso, ele afirma que a medida também posiciona o Brasil no cenário internacional. "Hoje, França, Itália, Alemanha, Estados Unidos, Espanha, até a Venezuela já têm 40 horas. E já está comprovado que a redução da jornada aumenta a produtividade, aumenta a qualidade, reduz doenças e acidentes de trabalho e coloca mais trabalhadores em empregos formais."
Defasagem
O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) aponta que a última redução legal da jornada de trabalho no Brasil ocorreu em 1988, com a Constituição Federal, quando ou de 48 para 44 horas semanais. Desde então, não houve nova alteração na legislação, e os poucos avanços se deram por meio de acordos coletivos em categorias com maior poder de negociação. A maioria dos trabalhadores, no entanto, permanece submetida a longas jornadas e condições precárias.
Outro ponto de atenção é a ausência de limite legal para horas extras semanais ou anuais. A jornada diária pode chegar a 10 horas, o que permite que muitos trabalhadores ultraem as 700 horas extras por ano — realidade distante de países como França e Uruguai, onde o teto gira em torno de 200 horas anuais. No Brasil, não há penalização para empresas que ultraam esse limite. Dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego (Ped) mostram que, em 2009, 36,1% dos assalariados já trabalhavam além das 44 horas semanais, transformando o que deveria ser exceção em rotina.
O estudo também chama atenção para o aumento da intensidade do trabalho nas últimas décadas. Com a adoção de novos modelos de gestão e tecnologias que visam à alta produtividade, a pressão sobre o ritmo de trabalho aumentou, impactando diretamente a saúde dos trabalhadores. Além disso, o banco de horas, introduzido em 1998 por medida provisória e reforçado por leis posteriores, flexibilizou ainda mais o controle da jornada, geralmente em benefício do empregador.
Diante desse cenário, o Dieese conclui que a redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais sem redução salarial é uma necessidade urgente e uma forma de equilibrar a distribuição do tempo, gerar mais empregos e melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores brasileiros. A proposta legislativa em discussão, segundo o órgão, representa uma oportunidade histórica de transformar as conquistas parciais de algumas categorias em um direito universal.
A PEC não fala diretamente sobre a escala 6x1, mas Paim deixa claro que é contra esse tipo de jornada, a qual considera injusta com os trabalhadores. Segundo o senador, a proposta de redução gradual da carga horária caminha na mesma direção do fim da escala, já que promove mais tempo de descanso, equilíbrio com a vida pessoal e pode levar, futuramente, à adoção de semanas com quatro dias de trabalho.
"A alternativa seria 40 no primeiro momento e 36 no segundo momento, que poderia levar a quatro dias por semana", diz. Ele também reforça que as propostas em tramitação na Câmara seguem a mesma lógica de transição. "Tanto uma como outra busca, no primeiro momento, 40 horas, depois uma hora por ano, até chegar a 36. […] Elas se complementam", avalia.