
O relatório final da minirreforma eleitoral, a ser votado nesta quarta-feira, é um segredo guardado a sete chaves pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL); pelo relator do projeto, deputado Rubens Pereira (PT-MA); e por líderes dos partidos. Em vez de pôr um bode na sala, como é comum acontecer antes das votações no Congresso, para desviar a atenção da opinião pública, desta vez, vão soltar um tigre na hora da votação em plenário, quando o relatório do petista for apresentado, com apoio das legendas do Centrão.
A intenção é flexibilizar a legislação eleitoral para favorecer a reeleição de prefeitos e vereadores e lui fortalecer o controle da cúpula dos partidos sobre as legendas, pela via da distribuição autocrática dos recursos do fundo eleitoral; reduzir o controle da Justiça Eleitoral sobre o uso desses recursos públicos; e mitigar a distribuição de recursos para candidaturas femininas e de negros, mantendo o perfil étnico e de gênero predominante na política brasileira.
A reforma faz parte de um processo de concentração de poder e de verbas nas mãos das cúpulas partidárias e dos líderes de bancada, que recrudesceu com o aumento exponencial dos recursos destinados às legendas. Em 2022, foram R$ 6 bilhões. A elevação do volume de recursos provocou uma série de propostas legislativas com o objetivo de reduzir a transparência, a fiscalização legal e o controle social sobre o uso desses montantes.
Entre as propostas que estão sendo apresentadas há: alteração do tempo de inelegibilidade de candidatos condenados por crime eleitoral ou corrupção, que deixaria de ser a partir dos cumprimento da pena para a data da condenação; restringir a inelegibilidade por improbidade istrativa aos condenados sem dolo, lesão ao patrimônio e enriquecimento ilícito, simultaneamente.
Discute-se a mitigação do crime eleitoral de compra de votos ao pagamento de multas, sem cassação; a liberação de doações de pessoas fixas pelo Pix; o fim das prestações de contas parciais, feitas no meio da campanha eleitoral. Os líderes querem flexibilizar o uso de cotas de recursos para campanhas de mulheres e negros, desde que utilizadas por candidatos homens em beneficio de mulheres e negros.
A grande mudança que poderia ser feita para baratear as campanhas e aproximar os eleitos dos eleitores, ao contrário, seria a adoção do voto distrital ou distrital-misto nas eleições municipais, que não exige uma reforma constitucional. Seria uma experiência interessante para uma reforma eleitoral mais ampla, em 2025, mas isso nem de longa a pela cabeça dos parlamentares. A lógica não é promover mudanças, porque isso põe em risco suas bases eleitorais; os deputados querem fortalecer os mecanismos de autoproteção e reprodução política, em detrimento da renovação.
Orçamento e fundo eleitoral
A minirreforma precisa estar aprovada até 6 de outubro, tanto na Câmara quanto no Senado, além de sancionada pelo presidente da República, para valer nas eleições municipais do próximo ano. Nesta terça-feira, foi discutida na reunião do Colégio de Líderes, mas o teor das mudanças somente chegará ao conhecimento público quando a matéria estiver no plenário. Essa é uma prática adotada pelo presidente da Câmara quando quer evitar desgastes com matérias em desacordo com a maioria da sociedade.
Não por acaso, o tema mais polêmico é interna corporis: a distribuição das "sobras eleitorais". As cadeiras de vereadores, deputados estaduais e deputados federais são preenchidas pelos partidos ou federações que alcançam o chamado quociente eleitoral, que é o cálculo que define quantos votos são necessários para ocupar uma vaga. Por exemplo, para um colégio eleitoral de 100 mil eleitores e 10 vagas a serem preenchidas, o quociente é de 10 mil votos. Depois de distribuídas as vagas de acordo com o quociente, as sobras são redistribuídas para os partidos que alcançaram 80% desses votos e candidatos com mais de 20%. A proposta é restringir a sobra aos partidos que alcançaram o quociente e candidatos com até 10% dos votos.
O sociólogo e professor espanhol Manuel Castells ressalta a ruptura da relação entre governantes e governados como um colapso da democracia liberal. Isso ocorre quando os partidos, em particular seus parlamentares, deixam de representar seus eleitores para defender seus próprios interesses. O fenômeno é caracterizado pela formação de uma "partidocracia".
No caso brasileiro, a "partidocracia" está em formação devido ao bilionário financiamento público de campanha e às emendas impositivas ao Orçamento, mais bilionárias ainda, sem a necessária responsabilidade dos partidos com o êxito das políticas públicas, uma espécie de "meu pirão primeiro". O Congresso nunca teve tanto poder sobre o Orçamento da União nem tanta falta de compromisso com a qualidade e a eficiência das políticas públicas.
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