ARTIGO

Negacionismo climático no Senado, desmatamento à solta no Cerrado

O Cerrado foi responsável por 52,5% de toda a perda de vegetação nativa no país em 2024. E o licenciamento ambiental está diretamente atrelado ao desmatamento desse e de outros biomas e às mudanças climáticas

PRI-2905-OPINI -  (crédito: Maurenilson Freire)
PRI-2905-OPINI - (crédito: Maurenilson Freire)

Cesar Victor do Espírito Santo — engenheiro florestal, conselheiro do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), representando a sociedade civil da Região Centro-Oeste

O MapBiomas divulgou recentemente o Relatório Anual do Desmatamento no Brasil (RAD). De acordo com o levantamento, o Cerrado foi responsável por 52,5% de toda a perda de vegetação nativa no país em 2024, correspondendo a 652.197 hectares (ha), o que dá uma média de quase 1.800ha de área desmatada por dia. Em relação ao ano de 2023, houve uma queda de 41% na área desmatada. A região do Matopiba (área formada pelos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) concentrou 75% do desmatamento do Cerrado e aproximadamente 42% do desmatamento somado em todos os biomas brasileiros.

<p><strong><a href="https://whatsapp.com/channel/0029VaB1U9a002T64ex1Sy2w">Siga o canal do Correio no WhatsApp e receba as principais not&iacute;cias do dia no seu celular</a></strong></p>

Num primeiro olhar, em parte, é para comemorarmos. Afinal, o desmatamento caiu de forma representativa. Isso, com certeza, deu-se em função de uma ação forte do governo no combate ao desmatamento ilegal, liderada pelo Ibama, com participação de órgãos estaduais de meio ambiente, sob a coordenação do Ministério do Meio Ambiente e Mudança Climática (MMA). Daí a importância de fortalecer cada vez mais a atuação desses órgãos públicos essenciais para o nosso país.

Por outro lado, temos que ficar atentos ao desmatamento realizado de forma legal e incentivada pelas políticas públicas, e com o dinheiro do contribuinte, que facilitam a expansão da fronteira agrícola, especialmente no Cerrado e, em particular, na região do Matopiba. Será uma questão de tempo, poucas décadas, para que o Cerrado seja reduzido de tal forma que não terá mais condições de cumprir com suas funções ecológicas e com os serviços ambientais prestados de forma gratuita pela natureza. 

Por isso, não devemos ficar otimistas com a redução do desmatamento no Cerrado. A legislação prevê que os proprietários de terra no Cerrado fora da Amazônia Legal possam desmatar até 80% da sua propriedade. E o desmatamento para a expansão da fronteira agrícola, como acontece no Matopiba, é incentivado por juros subsidiados, via Planos Safras e isenções fiscais na aquisição de insumos (sementes transgênicas, fertilizantes artificiais, maquinários e agrotóxicos). Além disso, grande parte da produção é realizada com sistemas de irrigação, cuja água é obtida como se fosse infinita e, praticamente, de graça, o que tem gerado mais impactos ambientais.

Tudo ficará muito pior se for aprovado o Projeto de Lei nº 2.159/2021, que institui a Lei Geral do Licenciamento Ambiental, que ou no Senado nesta semana e agora segue para a Câmara dos Deputados. Entre os dispositivos previstos, estão as LACs (Licença Ambiental por Adesão e Compromisso), favorecendo ainda mais a legalização do desmatamento efetuado pelo pessoal do Agro, que já tem uma quantidade absurda de benesses do Estado. 

Os próprios agricultores poderão fazer o autolicenciamento para as atividades agropecuárias consideradas de médio e pequeno porte. Mas, quem considera o tamanho do impacto? O próprio empreendedor. O resultado será mais e mais desmatamento em todos os biomas, de forma mais rápida, gerando a emissão de mais gases de efeito estufa e contribuindo com o aumento da temperatura local e planetária. 

A conclusão é de que nosso Congresso Nacional demonstra um negacionismo climático inconcebível para o nosso tempo, e com desastres ambientais acontecendo e se multiplicando ano após ano. De nada adiantam estudos científicos realizados por pesquisadores do mundo inteiro e divulgados anualmente pelo Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), órgão ligado à ONU e composto por representantes dos países para prover avaliações regulares sobre a mudança climática. 

Por isso, é muito importante que nós, eleitores, acompanhemos o que nossos representantes parlamentares estão transformando em lei e qual é o seu posicionamento. Como eleitor de Brasília, constatei que entre os três senadores do DF, dois votaram pela aprovação desse PL, a senadora Damares e o senador Izalci, e uma, a senadora Leila, votou contra e merece nosso respeito e reconhecimento. O projeto agora segue para a Câmara dos Deputados. Vamos acompanhar como votarão os representantes do DF —  Bia Kicis (PL), Erika Kokay (PT), Alberto Fraga (PL), Fred Linhares (Republicanos), Gilvan Maximo (Republicanos), Julio Cesar Ribeiro (Republicanos), Professor Reginaldo Veras (PV) e Rafael Prudente (MDB) — e verificar se também são negacionistas climáticos. 

É importante que os deputados e as deputadas possam informar aos eleitores de que lado estão e apresentem os seus argumentos e justificativas. Isso não é um tema de interesse de apenas um segmento da sociedade, normalmente tratado como ambientalistas. Trata-se de algo de interesse de toda a sociedade e para as futuras gerações. O licenciamento ambiental está diretamente atrelado ao desmatamento do Cerrado e de outros biomas e às mudanças climáticas. Precisamos saber como estão votando e poder fazer escolhas futuras mais acertadas, conectadas com o nosso tempo, com as gerações futuras e que considerem o que é constatado pela ciência. Senão, seremos coniventes com esse negacionismo climático evidenciado na aprovação do PL de Devastação no Senado. 

 


Por Opinião
postado em 29/05/2025 06:00
x