Opinião

Século 21: escravidão, presente

Lamentável que o Brasil tenha de dar explicações à ONU sobre a situação de Sônia Maria de Jesus, mulher negra resgatada após 40 anos de trabalho análogo à escravidão em Florianópolis

Sônia foi mantida em situação análoga à escravidão por 40 anos e tornou-se símbolo da luta contra essa violência  -  (crédito: Reprodução/Fantástico)
Sônia foi mantida em situação análoga à escravidão por 40 anos e tornou-se símbolo da luta contra essa violência - (crédito: Reprodução/Fantástico)

Que país é este? —  indagação recorrente na realidade brasileira diante de tantos fatores, como violência e atitudes desagregadoras, que conspiram contra os brasileiros e seus direitos. Lamentável que o Brasil tenha de dar explicações à Organização das Nações Unidas (ONU) sobre a situação de Sônia Maria de Jesus, mulher negra, 51 anos, cega de um olho, surda e não alfabetizada, resgatada após 40 anos de trabalho análogo à escravidão na residência do "seu senhor", o desembargador Jorge Luiz Borba, em Florianópolis (SC).  

Em junho de 2023, após uma denúncia anônima,  ela foi encontrada pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM), que integra órgãos como o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), o Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Polícia Federal (PF). Poucos meses depois do  flagrante, em 2023, Sônia foi devolvida, por decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), para a residência dos seus "donos".  

Desde a terceira década do século 16, quando os colonizadores avançaram no tráfico de africanos, os negros são sequestrados, explorados, violentados em seus direitos e massacrados pelas classes dominantes. Na contemporaneidade, os "gatos", empregados de abastados empresários, principalmente do meio rural, cumprem igual papel dos lacaios de colonizadores. Hoje, nos grandes centros urbanos, negros, brancos e migrantes também são explorados por empresas privadas, dos mais variados setores da economia.

Daqui a 14 dias (13 de maio), a Lei Áurea, assinada pela princesa Isabel durante o período do império, completará 137 anos. No Brasil, há leis que pegam e outras que são ignoradas, engavetadas, sem qualquer impacto na realidade. Há de se reconhecer que a alardeada abolição da escravatura foi regra natimorta. 

A Constituição de 1988 deixou claro que todos são iguais perante as leis, independentemente de origem, raça, sexo, idade ou qualquer outra característica. Após a promulgação da Constituição Cidadã, o constituinte deputado Carlos Alberto Oliveira (RJ), o Caó, conseguiu aprovar a Lei nº 7.716/1989, que definiu os crimes de preconceito de raça ou cor, criminaliza o racismo, o preconceito e a injúria racial. Injúria que, há pouco tempo, ou a ser crime de racismo por entendimento do Supremo Tribunal Federal. 

No ano ado, foram registradas mais de 5,2 mil denúncias de racismo no país e mais de 2 mil trabalhadores foram libertados de condições análogas à escravidão, durante as 1.035 ações fiscais. O valor das multas aplicadas aos escravagistas chegou a R$ 7 milhões em verbas trabalhistas e rescisórias. A Lista Suja do Ministério do Trabalho tem 745 nomes, sendo 18 por impor aos empregados condições análogas à escravidão. Quando o mundo do trabalho sairá do século 16 e alcançará os avanços civilizatórios do século 21?

postado em 30/04/2025 06:00
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