
FRANCISCO AIRES AFONSO FILHO, graduado em teologia (Fateb) e pedagogia (UnB), pós-graduado em direito istrativodisciplinar (UnB)
"Que grande sede de morte, de matar, testemunhamos a cada dia nos muitos conflitos que assolam diferentes partes do nosso mundo! Quanto desprezo é despertado, às vezes, em relação aos vulneráveis, aos marginalizados e aos migrantes!"
Com essa frase do papa Francisco clamando por paz, acolhimento e respeito, mesmo falada com a sua voz já fraca pela doença e idade, o deserto pareceu ter sido atravessado por um rio de esperança. Independentemente de religião, crença ou não crença, origem ou orientação sexual, todos foram chamados a ouvir o seu clamor. Quem tem ouvidos para ouvir ouça!
Com o imperador Constantino e o édito de Milão (313), culminando com o édito de Tessalônica pelo imperador Teodósio I, em 380 d.C., o cristianismo foi reconhecido, mas também proibiu o "culto pagão" e outras crenças, estabelecendo-se como a religião oficial do Império. Já era um documento de violência à liberdade de consciência, estabelecendo punições para aqueles que não se convertessem, incluindo a perda dos direitos civis, e teve um impacto significativo na cultura, na sociedade e na política do Império Romano, contribuindo para a sua gradual cristianização e fortalecimento da figura papal.
Nem sempre o histórico papal foi nobre do ponto de vista humanitário, pois ações, discursos, pregações e bulas de pontífices já serviram de base para atrocidades humanas, inclusive, justificando a ocupação de terras, a escravização de povos e a formalização do tráfico humano, gerando uma ferida que até hoje não cicatrizou, como é o caso dos povos e territórios africanos.
Contudo, independentemente de crenças ou não crença, a presença de Francisco de Assis, um dos santos mais inspiradores da Igreja Católica Romana, ressurgiu com a entronização de Jorge Mario Bergoglio, 266º papa da Igreja Católica, bispo de Roma e soberano da cidade do Vaticano, em 13 de março de 2013. Ao assumir o nome histórico e piedoso do santo "padroeiro dos pobres", o papa Francisco dava indicação de como pretendia conduzir o seu reinado enquanto usasse o "anel do pescador", símbolo do poder papal.
Contudo, há uma semana o mundo foi abalado pela sua morte. Francisco tinha se consolidado como uma liderança de grandes carismas e se tornou uma voz que clamava em um deserto de preconceitos, injustiças sociais, guerras, pessoas apátridas e dogmas rígidos que servem de alicerce para posicionamentos morais radicais e excludentes. A voz de Francisco clamou contra tudo isso. Trouxe para a Igreja uma perspectiva além da política e da religião dogmática, firmando-se como pedra de alicerce para um mundo mais justo, mais inclusivo e respeitador das diferenças, sejam elas quais forem.
Sob o seu solidéu, fez com que muitos fossem incluídos, ou pelo menos menos marginalizados, nas estruturas sociais. Guiou o sonho de uma terra prometida de paz e justiça, para religiosos ou não, atraindo para si iração de lideranças e povos, além da fé que professavam.
Trouxe esperança de um mundo mais amável, humanizando e reconhecendo direito de pessoas, até então, excluídas dogmaticamente e socialmente pela Igreja em função de suas orientações e identidades sexuais, de suas desventuras num primeiro casamento, de suas origens étnicas ou culturais, trazendo também conforto para os que viviam em situações de guerra e de ameaça territorial.
A manifestação de líderes mundiais, de pessoas comuns e, especialmente no Brasil, de líderes de vinculações diversas e de tradições diversas, como as afro, demonstra o sentimento pela sua partida, enquanto o reconhece como o papa da paz, o inclusivo, o acolhedor, o que não se preocupou em endossar discurso de ódio baseado na sua fé em detrimento de nenhuma outra.
O respeito conquistado durante o seu pontificado se fez em várias frentes, todas prezando pelo respeito à diversidade cultural humana. As ações desenvolvidas para o fortalecimento do ecumenismo cristão, quando se encontrou com várias lideranças e reaproximou Roma de várias outras tradições, bem como o diálogo inter-religioso do qual foi defensor, colocaram-lhe no lugar de um grande benemérito da humanidade. Manifestava uma fé simples e respeitosa.
Construiu pontes e derrubou muros. É o que se espera de uma postura humana, além dos dogmas e da fé que as pessoas possam ou não desposar. Francisco fez jus ao nome que assumiu quando de sua eleição papal: agiu de maneira humana, e não só religiosa.
A cadeira papal está vacante, mas sua voz continua ecoando no mundo. Viva Franciscus!