Brasileiros que se preparam para embarcar para os Estados Unidos para começar o ano letivo em Harvard nos próximos meses receberam com medo e preocupação a notícia de que a gestão de Donald Trump decidiu proibir a universidade de matricular alunos estrangeiros.
"Esse era o pessoal que mais estava mobilizando o WhatsApp: 'Eu vou conseguir entrar nos EUA?'", conta Marcelo*, que está no fim do segundo ano de um dos programas profissionais de Harvard, a poucos dias de se formar.
"Tinha gente que já tinha alugado casa", ele completa.
Estudantes brasileiros em universidades americanas costumam se reunir em grupos na plataforma para trocar experiências, se ajudar e pedir informações. Alguns contam com centenas de membros, entre veteranos, calouros e ex-alunos.
"A gente estava tentando acalmá-los", diz Mariana*, que acabou de concluir o primeiro ano de mestrado na universidade e relata experiência parecida em sua rede de contatos.
Em outro grupo do qual ela faz parte, com os alunos de seu curso, uma estudante colombiana que havia viajado para participar de um projeto mandou uma mensagem desesperada de dentro do avião: "Vou ser detida quando chegar?"
Nesta quinta-feira (22/05), o governo federal revogou a certificação do Programa de Estudantes e Visitantes de Intercâmbio da Universidade de Harvard sob a justificativa de que ela havia falhado "em cumprir a lei".
"Que isso sirva de aviso a todas as universidades e instituições acadêmicas do país", escreveu a secretária de Segurança Interna dos EUA, Kristi Noem, no X.
Desde o início do mandato, Trump tem pressionado as universidades americanas a se alinharem à sua agenda política, usando medidas como o corte de verbas para pesquisa científica como retaliação às que, na visão do governo, não têm colaborado.
Em documento divulgado nesta quinta-feira, Noem afirmou que Harvard teria de cumprir uma série de exigências para ter a "oportunidade" de voltar a matricular estudantes estrangeiros.
Na lista constam, por exemplo, a permissão para o a registros disciplinares de estudantes americanos matriculados nos últimos cinco anos na instituição e a entrega de registros, vídeos e áudios de atividades consideradas "ilegais" e "perigosas ou violentas" no campus, incluindo aquelas com a participação de estudantes americanos.
A notificação deu a Harvard 72 horas para atender à solicitação.
"Vamos esperar essas 72 horas e não entrar em pânico", diziam no grupo de brasileiros de Harvard no WhastApp, segundo Marcelo, os que tentavam contemporizar.
Alguns argumentavam a possibilidade de a medida ser um "blefe", um instrumento para pressionar a universidade a obedecer suas demandas.
Outros ressaltaram a possibilidade de a determinação ser derrubada na Justiça — Harvard classificou a decisão da gestão Trump como "ilegal".
Marcelo é mais pessimista. "O governo federal está ignorando medidas judiciais a rodo desde janeiro. Então eu, particularmente, não estou tão otimista assim de que isso vai ser revertido."
Como o governo Trump havia ameaçado em abril revogar a permissão de Harvard para matricular estudantes estrangeiros, diversas escolas dentro da universidade vinham se reunindo com os alunos para traçar possíveis planos de contingência — por exemplo, ele conta, para que alguns pudessem concluir as aulas de forma remota.
Sem revogação da medida, Marcelo teria que deixar os EUA em 30 dias. Ele está de viagem marcada para o Brasil e afirma que, "se o pior acontecer" e realmente seu visto de estudante for revogado, pode usar o visto de turista para voltar e pegar suas coisas.
O estudante diz que conseguiria receber o diploma de forma remota, mas perderia a possibilidade de tirar o visto de trabalho a que estudantes universitários têm direito logo que se formam, conhecido como Optional Practical Training (OPT). No caso dele, a permissão para trabalhar no país seria de três anos.
"Quando começou esse impacto das políticas do Trump, pensei: 'Olha, esse é um lugar instável pra eu ficar'. Já estava pensando em procurar emprego fora dos Estados Unidos, mesmo com o advento do OPT. Então planejei um pouco mais em relação a isso", afirma.
Muitos brasileiros, contudo, contam com o visto de trabalho para juntar dinheiro para pagar a dívida que contraíram para estudar em Harvard, montantes que podem chegar a dezenas de milhares de dólares.
"Tinha gente já com oferta de emprego", relata Mariana.
Ela também já estava com viagem marcada para o Brasil e diz que vai esperar as 72 horas para pensar nos próximos os.
*Os nomes foram alterados para preservar o anonimato dos entrevistados.
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