ESTADOS UNIDOS

Ação contra Harvard fere imagem do próprio governo Trump, diz pesquisador brasileiro que atuou na universidade

"Imagina, por exemplo, alunos que já estão na metade do curso. Vai expulsar o estudante? Ele tem que ir para outra universidade? Se tem bolsa em Harvard, ele vai ter bolsa [em outra universidade]?", questiona Houssein Kalout, que foi pesquisador da instituição entre 2013 e 2024.

Harvard classificou a decisão do governo Trump como 'ilegal' -  (crédito: Reuters)
Harvard classificou a decisão do governo Trump como 'ilegal' - (crédito: Reuters)

A decisão do presidente Donald Trump de proibir matrículas de estrangeiros na Universidade de Harvard fere a imagem dos Estados Unidos e de seu próprio governo, afirma o cientista político Hussein Kalout, que atuou como pesquisador da instituição entre 2013 e 2024.

A medida foi suspensa por uma liminar (decisão temporária) da Justiça americana nesta sexta-feira (23/5).

"Eu acho que é uma medida que, cedo ou tarde, terá de ser revista, porque isso gera um prejuízo enorme para a imagem dos Estados Unidos, um prejuízo enorme para a universidade e um prejuízo também para o governo Trump", disse Kalout à BBC News Brasil horas antes da decisão da juíza federal Allison Burroughs bloqueando temporariamente a determinação de Trump.

"Eu creio que a Justiça americana será muito ponderada para tratar a matéria com o esmero e o cuidado que isso merece. A tendência é que algumas decisões tomadas pelo governo (contra Harvard) sejam revogadas", afirmou ainda.

Esse é mais um capítulo que intensifica a disputa entre a Casa Branca e uma das instituições de ensino e pesquisa mais prestigiadas dos Estados Unidos. Na ação judicial movida na cidade de Boston, a universidade classificou as ações do governo como uma "violação flagrante" da lei.

O governo Trump afirma que Harvard não fez o suficiente para combater o antissemitismo e mudar práticas de contratação e issão — alegações que a universidade nega com veemência.

Foi nesse contexto que o Departamento de Segurança Interna (DHS) revogou na quinta-feira (22/05) o o de Harvard ao Programa de Estudantes e Visitantes de Intercâmbio (SEVP) – um banco de dados do governo que gerencia estudantes estrangeiros.

Há cerca de 6.800 estudantes internacionais em Harvard, representando mais de 27% das matrículas deste ano.

Para Hussein Kalout, a disputa judicial é "o único recurso de Harvard" diante da opção de Trump de "antagonizar" com a tradicional universidade.

"Minha leitura é que simplesmente interessa ao governo Trump, digamos, ter [em Harvard] um ponto de antagonização. Isso serve muito bem à sua base eleitoral".

"A universidade, desde o início do governo, tem sido aberta ao diálogo. E, quando há medidas impositivas que ela entende que ferem alguns direitos, ela tem acionado a Justiça. É o recurso que cabe", continuou.

Em seu segundo mandato, Trump tem pressionado as universidades americanas a se alinharem à sua agenda política, usando medidas como o corte de verbas para pesquisa científica como retaliação às que, na visão do governo, não têm colaborado. Harvard é a universidade que mais tem resistido às ações da Casa Branca.

O cientista político contesta as acusações de Trump sobre antissemitismo na universidade.

"São acusações que não encontram amparo na realidade, porque a universidade é muito cuidadosa, tem um código de conduta muito rígido. Ali não há espaço para descriminação."

"Se, porventura, isso aconteceu, de forma individual, a punição não pode ser coletiva. Isso não é uma política da universidade, nem do corpo docente, nem dos pesquisadores, nem dos alunos".

Segundo Kalout, a decisão de Trump, agora suspensa pela Justiça, trouxe enorme insegurança jurídica e deixou milhares de alunos estrangeiros da instituição "em como de incerteza".

"Imagina, por exemplo, alunos que já estão na metade do curso. Vai expulsar o estudante? Ele tem que ir para outra universidade? Se tem bolsa em Harvard, ele vai ter bolsa [em outra universidade]?", questiona.

"Então, na verdade, mexe estruturalmente com a vida de muitas pessoas, a maioria jovens, que estão no início de sua vida".

Fachada de prédio da Universidade de Harvard
Reuters
Harvard classificou a decisão do governo Trump como 'ilegal'

Entenda o caso

Na quinta-feira (22/5), o governo de Donald Trump anunciou medidas para impedir que Harvard matricule estudantes estrangeiros.

A secretária de Segurança Interna, Kristi Noem, escreveu na rede social X que o governo revogou a "certificação do Programa de Estudantes e Visitantes de Intercâmbio devido a falhas [de Harvard] em cumprir a lei".

"Que isso sirva de aviso a todas as universidades e instituições acadêmicas do país", acrescentou ela.

Quase 7 mil estudantes estrangeiros estavam matriculados na universidade no último ano letivo, segundo dados da própria instituição — o que representa 27,2% do corpo discente.

Em um primeiro comunicado, Harvard classificou a decisão do governo como "ilegal".

"Estamos totalmente comprometidos em manter a capacidade de Harvard de receber nossos estudantes e acadêmicos internacionais, que vêm de mais de 140 países e enriquecem a universidade — e esta nação — imensamente", afirmou a instituição na quinta-feira (22/5).

"Estamos trabalhando agilmente para dar orientação e apoio aos membros da nossa comunidade. Esta retaliação [de Trump] ameaça causar sérios danos à comunidade de Harvard e ao nosso país, além de minar a missão acadêmica e de pesquisa de Harvard."

A Casa Branca vinha exigindo que a universidade implementasse mudanças nas práticas de contratação, issão e ensino para combater o antissemitismo no campus.

O governo Trump também ameaçou revogar a isenção fiscal da universidade e congelar bilhões de dólares em subsídios governamentais.

Harvard afirmou anteriormente que já tomou diversas medidas para combater o antissemitismo e que as exigências visam controlar as "condições intelectuais" da universidade.

Mulher em pé acenando com a mão; atrás, Trump em palanque
Reuters
Medida contra Harvard foi anunciada por Kristi Noem, secretária de Segurança Interna do governo Trump

Em abril, Noem ameaçou revogar o o da universidade a programas de visto para estudantes caso a instituição não atendesse a uma ampla solicitação por o a registros istrativos de seus estudantes internacionais.

Em um documento desta quinta-feira, Noem afirmou que Harvard deve cumprir uma lista de exigências para ter a "oportunidade" de recuperar a possibilidade de matricular estudantes estrangeiros.

As exigências incluem o o a registros disciplinares de estudantes americanos matriculados em Harvard nos últimos cinco anos.

Noem também exigiu que Harvard entregasse registros, vídeos e áudios de atividades "ilegais" e "perigosas ou violentas" no campus, incluindo com a participação de estudantes americanos.

A notificação deu a Harvard 72 horas para atender à solicitação do Departamento de Segurança Interna.

O governo Trump vem tentando restringir drasticamente os vistos para estudantes estrangeiros, causando caos e confusão nos campi universitários dos EUA e levando a uma onda de processos judiciais.

Em alguns casos, essas revogações pareceram afetar estudantes estrangeiros que já participaram de protestos políticos ou que tiveram infrações de trânsito e antecedentes criminais.

Harvard conseguiu resistir à ofensiva de Trump, em parte, por conta de seu patrimônio: esta é a universidade mais rica do país e do mundo.

Ela tem um patrimônio (ativos próprios que investe para financiar suas atividades) de US$ 53 bilhões (R$ 308 bilhões), mais que o Produto Interno Bruto (PIB) de 120 países, incluindo Islândia, Bolívia, Honduras e Paraguai.

Esse patrimônio é composto por doações milionárias, mensalidades altas, investimentos bem-sucedidos, isenções fiscais e verbas públicas.

BBC
BBC Geral
postado em 24/05/2025 15:42 / atualizado em 24/05/2025 16:24
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