Novos rumos

Oração, silêncio e reflexão antecedem o conclave

Cardeais retomam as reuniões das congregações gerais e evitam falar com a imprensa sobre a escolha do próximo papa, a partir de quarta-feira. Chaminé da Capela SIstina é instalada para ritual solene

Bombeiros instalam chaminé sobre o telhado da Capela Sistina, com a estátua de São Paulo em primeiro plano  -  (crédito:  Gabriel Bouys/AFP)
Bombeiros instalam chaminé sobre o telhado da Capela Sistina, com a estátua de São Paulo em primeiro plano - (crédito: Gabriel Bouys/AFP)

Enviado Especial

Roma — Os os são apressados. A batina vermelha e o solidéu sobre a cabeça, de mesma cor, denunciam: há um cardeal à vista. Logo, um batalhão de jornalistas se aglomera em torno do chamado "príncipe da Igreja Católica". Aqueles com menos de 80 anos, eleitores no conclave que começará na próxima semana, irrompem em meio aos repórteres, quase sempre sem dizerem uma só palavra. "Vocês sabem que não posso falar", responde ao Correio Dom Arlindo Gomes Furtado, 75, o único cardeal de Cabo Verde, a quem a reportagem entrevistou, em 25 de maio, ao encontrá-lo no aeroporto de Lisboa, durante a conexão para Roma. Também único representante do Sudão do Sul, Dom Stephen Ameyu Martin Mulla, 61, reage: "Não estamos falando sobre o conclave". Ao ser questionado pelo Correio sobre se a Igreja está unificada em torno do legado do papa Francisco, ele respondeu: "Sim, juntos, todos". Os 133 eleitores com poder de voto fizeram um pacto de silêncio. Isso inclui os sete brasileiros aptos à escolha no conclave, cujos preparativos foram intensificados.

Chaminé que anuncia a escolha do novo papa é instalada na Capela Sistina

Às vésperas do conclave, Roma vive clima de eleição

Em meio à movimentação dos cardeais, os preparativos para o conclave seguem. Ontem pela manhã, a chaminé que avisará ao mundo sobre a eleição do sucessor de Francisco foi instalada no telhado da Capela Sistina, sob os olhares atentos e curiosos de fiéis e turistas.  

De 9h às 12h30 de ontem no horário de Roma (4h e 7h30 em Brasília), 180 dos 225 cardeais que compõem o Colégio Cardinalício, entre eles 120 eleitores, voltaram a se reunir nas congregações gerais — encontros em que aproveitam para conhecer uns aos outros e debater os desafios da Igreja Católica —, depois de um feriado do Dia do Trabalho marcado por orações e meditação. Os purpurados reconheceram que a evangelização foi o coração do pontificado de Francisco. Também itiram preocupação com a situação da Igreja Católica em países do leste, ante a perda de fiéis.

Celeridade

Dom Gregorio Rosa Chávez, cardeal de El Salvador e não eleitor, itiu ao Correio que o conclave da próxima semana será "totalmente diferente". "Algo que nunca foi imaginado", disse, ao citar que Francisco nomeou cardeais em vários países periféricos. Ele espera um conclave rápido. "Acho que em dois ou três dias ele terá terminado. Se eu me enganar, pode me pedir uma pizza", brincou, entre sorrisos.

Ao ser perguntado sobre de qual região crê que sairá o novo pontífice, disse que será "surpresa". "Tudo pode acontecer." O cardeal colombiano Jorge Enrique Jiménez Carvajal comentou que a Concílio Vaticano II abriu um novo diálogo com o mundo. "A Igreja começou a abordar uma nova sociedade, uma nova época, um novo modo de viver. Por isso, a Igreja tem que priorizar o diálogo."

Para Dom Carvajal, a duração do conclave deste ano é "imprevisível". "No entanto, os últimos conclaves têm sido de dois a três dias. É muito provável que se siga a mesma linha, mas ninguém pode cravar isso", itiu. O colombiano tem esperança de que a Igreja siga o caminho trilhado por Francisco. "O papa Francisco marcou o mundo. Marcou a sociedade."

Entre os jornalistas que cobrem o Vaticano, a sensação é de uma votação rápida. Uma delas afirmou acreditar que as articulações dos cardeais permitirão que entrem na Capela Sistina, na quarta-feira, para escolherem o papa entre apenas dois ou três nomes.  

Votações

Ainda no primeiro dia de conclave, a fumaça escura ou branca será liberada por volta das 19h (14h em Brasília). Caso os cardeais não cheguem a um nome de consenso com dois terços dos votos (89 dos 133), haverá duas votações na manhã de quinta-feira, com a emissão da fumaça ao meio-dia (7h em Brasília), e duas pela tarde, com a fumaça saindo às 19h.

Esse esquema será repetido nos dias subsquentes, na hipótese de indefinição. As cédulas de votação serão queimadas em um forno para anunciar o resultado ao mundo: fumaça preta significa falta de consenso; a branca indica um novo papa a ocupar o trono e São Pedro. A Capela Sistina possui dois fornos ligados à mesma chaminé, que representa o único contato dos cardeais confinados com o mundo externo.

Eleição sob à sombra

 Às vésperas do conclave, uma "ferida exposta" na Igreja Católica ronda a escolha do próximo papa. No mesmo caminho da Rede de Sobreviventes de Abusos por Padres (SNAP), a organização não governamental Bishop ability alertou contra a eventual ascensão ao trono de São Pedro do italiano Pietro Parolin, secretário de Estado do Vaticano, ou do filipino Luis Antonio Tagle, coprefeito do Dicastério para Evangelização, considerados omissos diante de denúncias.

"Se o cardeal Parolin se tornar papa, teremos um consumado guardião do segredo à frente da Igreja Católica, e acho que qualquer esperança de transparência em torno do abuso sexual será completamente frustrada", declarou Anna Barrett Doyle, codiretora da ONG sedidada nos EUA que documenta a violência clerical. 

Pete Isley, fundador e vice-presidente da Snap, e Sarah Pearson, porta-voz da ONG, estão em Roma e, ontem, confrontaram os cardeais Gregorio Rosa Chávez, de El Salvador, e Jorge Enrique Jiménez Carvajal, da Colômbia, ambos não eleitores, à saída da Sala Paulo VI. Islev concorda com Doyle. "Parolin e Tagle, por conta do que parece ser seus históricos sobre abuso sexual, não me parecem adequados para o cargo", afirmou ao Correio. 

Por sua vez, Pearson disse à reportagem que está em "absoluta concordância" com a Bishop ability. "Tanto Parolin quanto Tagle não têm credibilidade para impor a tolerância zero a abusos. Isso porque eles mesmos estariam desqualificados por suas próprias ações de ocultamento dos crimes sexuais." Segundo ela, o próximo papa não pode ser um pessoa que acoberta o que sabe sobre crimes contra crianças e pessoas vulneráveis. "Como poderá o próximo pontífice dizer que temos tolerância zero, quando ele próprio é bem tolerante aos abusos?", questionou. Segundo a porta-voz da Snap, Parolin e Tagle têm uma longa história de acobertamentoi de abusos e de permitir a continuação da violência sexual. "Isso é um comportamento perigoso, que não pode ser tolerado."

Enquanto a Bishop ability fazia a denúncia, os cardeais — reunidos em uma congregação geral, na Sala Paulo VI do Vaticano — trataram do tema do abuso sexual como uma "ferida" que se mantém "aberta", relatou o porta-voz, Matteo Bruni. Eles reconheceram que têm ciência do problema e itiram que "caminhos concretos" para a cura podem ser identificados.

A abordagem do escândalo coincidiu com a polêmica aparição, na Praça de São Pedro, de Juan Luis Cipriani Thorne, ex-arcebispo de Lima e cardeal afastado pelo papa Francisco após acusações de pedofilia. Cipriani foi visto usando a batina e o solidéu sobre a cabeça, em meio a eventos que antecedem o conclave.

 QUATRO PERGUNTAS PARA....

Daniel Goldman, rabino em Buenos Aires e amigo de Jorge Mario Bergoglio, o papa Francisco

 

O senhor pode contar sobre a amizade que teve com Francisco?

Eu me animo a dizer sobre uma relação de amizade... Porque ter amizade com um papa é como ter amizade com Deus, praticamente. Eu o via com a simpatia e com o humor que ele tinha. Era uma relação de muita confiança, ada pelo diálogo interreligioso que desenvolvemos, ao lado de Mario Abbud, um líder da tradição muçulmana. Fui o porta-voz de Jorge Mario Bergoglio durante uma década na Argentina. 

Que legado ele deixa, especialmente para o diálogo interreligioso?

Creio ser um símbolo o fato de um jornalista telefonar para um rabino para perguntar-lhe a amizade com o papa. Isso é um sinal dos tempos, não?

Há quanto tempo conhecia Bergoglio? Há uma agem curiosa com ele da qual o senhor se recorda?

Eu o conhecia há uns 30 anos, justamente a partir da relação com Mario Abud. Eu me lembro de uma anedota muito simpática que o envolvia. Nós nos reunimos, uma vez por mês, na casa de cada um dos grupo de comensais. Éramos cinco ou seis pessoas. Quando a reunião era na minha casa, eu sempre esperava que ele me chamasse para que o esperasse no ponto do coletivo (ônibus). Mas coletivo também significa compartilhr com muitos mais um destino. Isso era um modo de colocá-lo em perspectiva: Bergoglio era um homem de coletivo. Viajava em coletivo porque era um homem simples e copartilhava a sua vida de maneira coletiva. Isso é parte do trabalho realizado em Buenos Aires, do diálogo interreligioso. Quando foi alçado papa, considerou que uma das políticas principais de sua carreira era justamente incluir a todos dentro desse grande mundo chamado de Igreja. 

Quem foi o papa Francisco enquanto pessoa, ser humano, amigo?

Um homem profundo, inteligente, sensível. Para muitos, foi um professor. Muitos de nós nos sentimos seus discípulos. Muitos sentem que ele foi um pai. Escutei um grupo de jovens, em Roma, dizerem que é como se tivessem perdido um avô.

 


postado em 03/05/2025 06:02
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