
Com a presença de 200 líderes mundiais e de um séquito estimado entre 300 mil e meio milhão de fiéis, o corpo do papa Francisco será sepultado no sábado (26/4), em uma cerimônia que, embora solene e repleta de simbolismos, será mais simples do que a de seus antecessores. O pontífice, que pregava a humildade e, na quinta-feira da Semana Santa, lavou os pés de presidiários e migrantes, aprovou, em abril do ano ado, novas regras sobre os funerais dos sucessores de Pedro.
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Entre as alterações do Rito do Funeral do Romano Pontífice, Francisco trocou o triplo caixão — cipreste, chumbo e carvalho —, por um esquife de madeira revestido com zinco. Também foi abolido o catafalco, plataforma elevada coberta de veludo na qual o corpo dos pontífices era exposto. O papa, que amava estar no meio do povo, agora poderá ser visto de perto pelos fiéis que foram se despedir dele. Outro símbolo imponente, o bastão não será mais colocado dentro do ataúde.
"Desde a sua eleição, o papa Francisco destacou a simplicidade como marca central de seu pontificado. Como primeiro papa jesuíta, inspirou-se em São Francisco de Assis, conhecido pela vida despojada e humilde", recorda Marcelo Valle, professor de Relações Internacionais do Ceub. "Francisco evitou tronos opulentos, limitou o uso do tradicional anel do pescador a eventos oficiais e, no dia a dia, usava o anel simples de sua época como bispo."
Sem formalidade
Ao optar por um funeral simples, com um só caixão que será enterrado fora da opulência do Vaticano — ele será sepultado na Igreja de Santa Maria Maggiore, diferentemente dos antecessores, Francisco reforçou a mensagem que sempre desejou ar, acredita Valle. "Ele pediu que fosse registrado apenas o nome 'Francisco" sobre sua sepultura, sem menções a títulos ou cargos, como uma última lição de humildade e desapego", destaca o professor. "Essa escolha contrasta fortemente com os ritos tradicionais geralmente destinados aos papas."
Possivelmente, o papa que amava os pobres dispensaria homenagens rendidas por chefes de Estado, mas, como o pontífice também é chefe do Vaticano, é natural que o funeral seja acompanhado por presidentes, primeiros-ministros e membros da realeza. Cerca de 200, incluindo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, confirmaram a presença. O primeiro a anunciar sua ida à despedida de Francisco foi o norte-americano Donald Trump.
A socióloga e reitora da Faculdade de Artes Liberais da Universidade de New Hampshire, nos Estados Unidos, Michele Dillon, esclarece que a doutrina católica transcende ideologias. Ela também reconhece que Francisco se relacionava bem com políticos diversos devido a seu "estilo pessoal" e ao engajamento em questões globais (leia entrevista).
Para Marcelo Valle, do Ceub, algumas figuras públicas, incluindo políticos, podem querer tirar partido da popularidade de Francisco, um homem amado e respeitado para além das fronteiras religiosas. Ele exemplifica com o presidente argentino Javier Milei, que, durante a campanha, atacou o conterrâneo diversas vezes, por considerá-lo "comunista", embora depois tenha se desculpado. "Trump, criticado indiretamente por Francisco pela construção de muros em vez de pontes, também marca presença. Assim, a aproximação de muitos líderes se dá mais por motivações midiáticas do que pela incorporação genuína dos ideais franciscanos."
Em seu testamento, o chefe da Igreja Católica e de 1,4 bilhão de fiéis optou por ser enterrado em Santa Maria Maggiore em vez de na Basílica de São Pedro, onde, segundo a tradição católica, foi sepultado o primeiro papa da história. Maior igreja dedicada a Maria em Roma e alvo de peregrinações, trata-se de um belo edifício construído no pontificado de Sisto III, no século 5, que sobreviveu ao terremoto de 1348. É, contudo, bem mais simples do que a joia da arquitetura renascentista de Donato Bramante, onde repousam os demais papas.
Francisco justificou a escolha por ser devoto de Maria. "Confiei sempre minha vida e meu ministério sacerdotal e episcopal à Mãe do Nosso Senhor, Maria Santíssima", escreveu, no testamento.
Três perguntas para Michele Dillion, professora de sociologia e reitora da Faculdade de Artes Liberais na Universidade de New Hampshire (EUA) especialista em catolicismo
O que a presença confirmada de chefes de Estado com visões políticas tão díspares como Donald Trump e Luiz Inácio Lula da Silva diz sobre o Papa Francisco?
Que o papa – não importa quem seja – está acima da política; e que a doutrina católica sobre uma série de questões (por exemplo, aborto, mudanças climáticas, refugiados, desigualdade econômica, etc.) transcende a política nacional e o partidarismo. Além disso, o estilo pessoal de Francisco e seu engajamento em uma ampla gama de questões globais de impacto político contribuíram para seu carisma e seus relacionamentos com líderes políticos ideologicamente diversos.
Que mensagens o papa quis transmitir ao optar por um funeral muito mais simples do que os de seus antecessores?
Essa decisão está totalmente alinhada com a humildade consistente de Francisco ao longo de seu mandato como papa, demonstrada de muitas maneiras (incluindo, por exemplo, sua escolha de viver na casa de hóspedes do Vaticano em vez do Palácio Apostólico; seu uso de um Fiat) e sua abordagem pessoal às questões em geral.
O legado de humildade e desapego de Francisco deve permanecer, independentemente de quem assumir o Vaticano?
Acredito que seu legado permanecerá em termos da evolução dinâmica do diálogo prático sobre diversas questões — como a vida familiar —, suas mudanças estruturais e o impulso teológico que questões específicas ganharam. Seu estilo de personalidade não será facilmente reproduzido! Embora a humildade sincera possa ser uma habilidade aprendida — e o catolicismo, em particular, enfatiza um pluralismo de perspectivas que, por extensão, inclui a expectativa de humildade intelectual na discussão/troca de ideias —, é mais fácil para alguns tipos de personalidade transmitir humildade com sinceridade. A humildade de Francisco era profunda e duradoura, e permeava a maneira como ele abordava uma série de questões. (Paloma Oliveto)
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