
A cadeia de produção e exportação do ouro brasileiro vive um momento de transição. Após anos de descontrole e lacunas legais que favoreceram o garimpo ilegal, especialmente na Amazônia, medidas recentes começaram a surtir efeito. Segundo dados do Instituto Escolhas, a produção registrada de ouro de garimpo caiu 84% em 2024, reflexo direto da intensificação da fiscalização, do fim da presunção de boa-fé nas transações e da exigência da nota fiscal eletrônica. No entanto, o país ainda enfrenta um grande desafio: a ausência de rastreabilidade efetiva do ouro exportado, principalmente para países europeus.
O tema será debatido na próxima edição do Correio Talks, no dia 13 de maio, a partir das 9h30, na sede do jornal Correio Braziliense. O evento, realizado em parceria com o Instituto Escolhas, terá como tema central Os desafios da agenda de minerais estratégicos para o Brasil. Especialistas e autoridades se reunirão para discutir os caminhos para o desenvolvimento sustentável da mineração e a importância dos metais raros para a economia nacional e internacional.
Em entrevista ao Correio, o diretor-executivo do Instituto Escolhas, Sérgio Leitão, explicou que quase 100% do ouro produzido no Brasil é exportado, principalmente para Reino Unido, Suíça e Alemanha. "A gente manda ouro para a Europa, não importa. Somos grandes exportadores", esclareceu, destacando que boa parte da comercialização bilateral com esses países está ligada ao ouro brasileiro.
Segundo Leitão, a cadeia de produção do ouro brasileiro ainda é marcada por ilegalidades, especialmente na Amazônia, em terras indígenas e unidades de conservação. Apesar disso, ele enxerga avanços recentes, principalmente por três fatores: o fim da presunção de boa-fé, a exigência da nota fiscal eletrônica e o reforço da fiscalização por órgãos como a Polícia Federal e o Ibama.
"Antes, quem comprava e vendia ouro não precisava provar a origem legal do produto. Era como se a lei dissesse que, se você vendeu, é porque estava tudo certo. Isso permitia que o ouro ilegal circulasse como se fosse legal. A decisão do STF, em março deste ano, acabou com isso. Agora, é preciso provar a origem", afirmou.
A nota fiscal eletrônica também foi apontada como medida crucial. "Antes, as notas eram em papel, o que impedia o cruzamento de dados com os registros da Agência Nacional de Mineração. Com a digitalização, o controle ficou muito mais eficaz", completou.
Mesmo com a queda drástica da produção registrada, o dirigente do Instituto Escolhas alerta que as medidas adotadas ainda não são suficientes. "Sem rastreabilidade completa, não conseguimos garantir que o ouro brasileiro tem procedência legal. Isso é essencial para mostrar aos países compradores que não estamos exportando ouro de áreas protegidas", disse.
Leitão defende a aprovação do projeto de lei em tramitação na Câmara dos Deputados, de autoria do Executivo e relatado pelo deputado Max Beltrão (PP-AL), que trata justamente da rastreabilidade do ouro. A proposta tem como base iniciativas anteriores, como projetos da deputada Joenia Wapichana (Rede-RR) e do senador Fabiano Contarato (PT-ES).
Entre os pontos centrais do projeto, estão a exigência de comprovação da origem do ouro desde a extração até a comercialização e a proibição de que donos de Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários (DTVMs) as únicas autorizadas a comprar ouro de garimpo sejam também titulares de permissões de lavra garimpeira.
"Como é que uma pessoa vai fiscalizar uma atividade da qual ela mesma participa? É um conflito de interesses grave, e isso o projeto corrige", afirmou Leitão. A expectativa é que o debate promovido pelo Correio aprofunde a discussão sobre os caminhos para um setor de mineração mais responsável e transparente, alinhado aos compromissos ambientais do país e à demanda crescente por metais estratégicos na transição energética global.
*Estagiária sob a supervisão de Edla Lula