
A cantora Nana Caymmi, de 84 anos, morreu ontem, no Rio de Janeiro, após nove meses de internação, na Casa de Saúde São José, no bairro de Humaitá, zona sul da cidade. A informação foi confirmada pelo irmão caçula da artista, o cantor e compositor Danilo Caymmi. Segundo ele, a irmã ou por um "processo muito doloroso", com "várias comorbidades", inclusive uma "overdose de opioides", no último dia 29 na UTI (Unidade de Terapia Intensiva).
Nascida Dinahir Tostes Caymmi, logo virou Nana, que desde, muito cedo, mostrou talento único, com uma voz de intensidade inacreditável e uma força muito especial. Nos anos de 1960, ela se tornou uma das maiores da MPB, eternizando canções, como Resposta ao tempo, Não se esqueça de mim e Suave Veneno.
Nos últimos anos, Nana Caymmi acumulou uma série de problemas de saúde que a levaram para várias internações, várias associadas a um modo de vida repleto de excessos. Ela jamais se furtava a uma boa mesa nem tampouco uma bebida de qualidade. O tempo cobrou isso do organismo. Em 2015, teve câncer de estômago, o que fragilizou muito. No ano ado, colocou um marcao por causa de uma arritmia.
Redes sociais
O irmão Danilo usou as redes sociais para comunicar a morte de Nana. Visivelmente abalado, o cantor mal conseguia olhar para a câmera, mas tentou explicar que ela vinha em um processo bastante doloroso.
"É com muito pesar que eu comunico o falecimento da minha irmã, Nana Caymmi, e estamos, lógico, na família, todos muito chocados e tristes, mas ela também ou nove meses sofrendo em um hospital, UTI, um processo muito doloroso, de várias comorbidades, enfim", disse Danilo.
Em seguida, o artista acrescentou que: "Eu queria que vocês ajudassem a divulgar esse falecimento dela para os fãs. Muitos fãs, o Brasil perde uma grande cantora, uma das maiores intérpretes que o Brasil já viu, de sentimento, de tudo, enfim. Nós estamos realmente todos muito tristes, mas ela terminou nove meses de sofrimento intenso dentro de uma UTI de hospital. Bom, enfim".
Raro talento
Baixinha e, acima do peso, Nana Caymmi se tornava gigante no palco. Uma voz que capaz de silenciar a plateia, sobretudo quando cantava composições clássicas, como Fascinação, Cais, Canção da manhã feliz, Mudança dos ventos, entre tantos sucessos. Aos 17 anos, gravou em duo com Dorival Caymmi, Acalanto, uma canção de ninar que o pai compôs para ela. No mesmo ano (1960), lançou um disco em 78 rotações com Adeus, também de Dorival Caymmi. Ali, foi o começo de tudo.
Em 1961, quando tinha apenas 19 anos, Nana Caymmi se casou com o médico venezuelano Gilberto José Aponte Paoli, com quem viveu em Caracas por quatro anos, de 1961 a 1965. Com Gilberto, teve duas filhas, Stella e Denise. Mas resolveu se separar quando estava grávida do terceiro filho, João Gilberto, que nasceu no Brasil, em 1966.
É neste momento, pressionada pela necessidade de garantir a sobrevivência dos filhos, que Nana decidiu assumir a carreira de cantora. "Me conscientizei de que a música ia me dar dinheiro para eu sustentar os meus três filhos, e que homem em casa não ia ter vez. E não deu outra. Pronto, tô aqui feliz", afirma Nana no documentário "Rio Sonata", dirigido pelo franco-suíço Georges Gachot e lançado em 2013.
Estávamos na era dominada pelos concursos de música popular. Nana venceu o Festival Internacional da Canção de 1966, da Rede Globo, interpretando Saveiros, parceria de Dori e Nelson Motta. Nelson queria que a composição fosse defendida por Elis Regina, mas Dori conta no documentário "Rio Sonata", que não aceitou: "Eu sempre ajudei a Nana, e ela me ajudou; sempre teve uma coisa de irmão".
Nana participou no ano seguinte do Festival da Música Brasileira, da TV Record, cantando "Bom dia", parceria com Gilberto Gil, que despertou a suspeita de que o compositor teria criado a canção e colocado o nome dela. No entanto, Gil, com quem Nana era casada naquele momento, refutou a versão em depoimento para o documentário "Rio Sonata": "Muita gente não acreditava que ela tivesse composto comigo. Achavam que não, que eu compus e simplesmente pus o nome dela como coautora. Não, não, essa canção é Nana mais do que eu. É a cara dela", afirma Gil no documentário "Rio Sonata".
Nana e Gil permaneceram juntos de 1967 até 1969. Mas ela também foi casada com o compositor João Donato, de 1972 a 1974, e com o cantor Claudio Nucci, de 1979 a 1984. Ao longo da carreira, Nana gravou mais de 50 discos, com um repertório, essencialmente, romântico.
Em 2020, Nana concedeu entrevista ao repórter Irlam Rocha Lima, do Correio, sobre o álbum dedicado a Tom Jobim e Vinicius de Moraes. Ela explica que havia uma relação de amizade entre a família dela e a de Tom Jobim. "Meu pai costumava visitar Tom quando ele morava no Leblon e nós, algumas vezes, íamos com ele. Nesses encontros, sempre se ouvia música de qualidade. "Tenho cantado músicas de Tom e Jobim em várias oportunidades, em songbooks e shows. No Nana, Tom, Vinicius, finalmente, presto um tributo aos dois."
Filha mais velha de Dorival Caymmi e sua eterna Stella Maris, era muito próxima dos irmãos Dori e Danilo. Volta e meia, os três se reuniam e davam um show onde quer que estivessem. Certa vez, em Brasília, Nana, Dori e Danilo fizeram um espetáculo no Teatro da Caixa Cultural. Os três resolveram receber o público na porta do teatro, algo incomum. Ao ouvir de uma fã que a família era um talento raro, ela chamou os irmãos e os três começaram a batucar e dançar, tendo como base de som, uma caixa de fósforos. Juntos, brincaram: "Raro talento, coisa de família".
Assim, era Nana Caymmi pequena por fora, imensa por dentro. Namoradeira, adorava contar suas farras amorosas. Em 2009, quando estourou o namoro de Chico Buarque com uma jovem chamada Renata Maria, perguntaram para a artista o que ela achava do relacionamento. Com uma gargalhada de atravessar quarteirões, a cantora respondeu: "Que delícia! Eles namoram na praia e beijam na boca, tem melhor?". Essa era Nana Caymmi.