
Ney Matogrosso é um fenômeno nacional. Seja pelas roupas, pelos versos ou pelo desejo de liberdade, Ney impactou gerações e o filme Homem com H busca ar a vida do artista para as telas de cinema de todo o Brasil. O longa é produzido e distribuído pela Paris Filmes e desponta como um dos grandes longas no cenário do cinema brasileiro deste ano.
Esmir Filho, diretor convidado para o projeto, recebeu a missão de braços abertos e mergulhou nas discografias e livros sobre Ney Matogrosso. Para ele, o filme caiu como uma luva na sua carreira, que já havia trabalhado em produções com temáticas abordadas em Homem com H. Esmir foi convidado para dirigir e escrever o roteiro da trama e a liberdade que lhe foi dada o cativou ainda mais em relação à produção.
O diretor começou a buscar nas músicas e em livros o personagem. Apesar de Ney ser uma pessoa conhecida, era necessário escolher um recorte e transformar a figura performática do artista em uma personagem de cinema. "Li em um livro de memórias do Ney no qual ele escreveu que sempre reagia ao autoritarismo e que seu pai era a figura de autoridade mais forte que ele já encontrou. E que ele fez muitas escolhas para contrariar isso", conta o diretor. Por meio desses relatos, Esmir Filho achou seu personagem, um jovem em combate às autoridades, sejam elas a censura, a imprensa, a ditadura e até a própria Aids.
"Entendi que queria retratar esse personagem que almeja a liberdade, que ia ar por vários obstáculos que iam tentar obstruir essa jornada e ele ia vencer por meio do afeto. Encontrei minha jornada do herói", destaca Esmir. Só depois que definiu o recorte do filme, Esmir entrou em contato com Ney para apresentar a proposta. "Muitas coisas a gente teve que desenhar em dramaturgia, mas não queria perder o sentimento em cada cena. Foi isso que comecei a conversar com ele, entender o que ele sentiu em cada momento e captar essa verdade", comenta.
Os encontros com Ney foram muito impactantes para a criação da história e Esmir relata que foram conversas nas quais ambos compartilharam vivências individuais que se conectavam. "Ele me contava de coisas que viveu nos anos 1970 que eu vivi em 2010. Éramos dois amigos confidentes compartilhando histórias e acho que isso nos aproximou em um lugar que pude entrar nesse universo e trabalhar a voz desses personagens", destaca Esmir.
De acordo com a proposta trabalhada por Esmir, utilizar a voz de Ney nas músicas era muito importante. Jesuíta Barbosa, protagonista, cantava nas cenas e Ney dublava por cima da voz do ator. "Teve gravações que o Ney fez para gente e o contrário também aconteceu. Foi muito interessante que a gente teve a oportunidade de ter o biografado, dublando o ator, que faz ele mesmo. Acho que a única vez que a gente manteve a voz do Jesuíta foi em Rosa de Hiroshima", conta o diretor.
Outro aspecto muito importante na hora de recriar Ney Matogrosso para as telas era o figurino. A produção contou com o apoio do Senac em São Paulo, que guarda figurinos originais do artista desde os anos 1970. "Sabendo que ia tratar todas as fases dele, eu estava muito feliz que ia ar por todos esses figurinos. Teve muito cuidado nessa parte, alguns eram originais e outros a gente reproduziu. Em quesito de produção, não deixamos de investir", relata Esmir.
Sempre em busca de liberdade, o aspecto da sexualidade era algo recorrente com Ney Matogrosso e nunca foi um tabu. O diretor adiciona diversas cenas de sexo no filme e, para ele, não tinha como deixar essa parte da personalidade do artista de fora. "O Ney é deboche, é sexualidade e erotismo. Cada sexo tem uma função narrativa muito clara, eu estou contando coisas quando eu mostro alguém que se abre pela primeira vez, sexo com amor da vida dele, que é o Cazuza, até com o Marco nos últimos momentos em lugar de cuidado", conta Filho. Para o diretor, as cenas foram muito naturais dentro da narrativa.
O retrato da Aids em Homem com H também aparece de forma diferenciada. Esmir Filho preferiu utilizar o simbolismo e narrar as perdas com muito afeto. "Eu não queria focar em doentização do corpo. Eu dei a real do que aconteceu, do que ele viveu, mas as perdas são simbólicas. Quis retratar um cara que, por algum milagre, não contraiu, mas que isso não foi um alívio. Foi difícil e ele sempre esteve do lado dos amores e dos amigos", acrescenta.
Na pré-estreia do filme em São Paulo, Ney Matogrosso apareceu muito emocionado após assistir o filme, assim como boa parte da equipe. O diretor ressalta que ter visto o filme com outras pessoas e com a equipe foi muito emocionante. " Senti a emoção do nosso filme transbordando para as pessoas. Agora, o filme é dos outros, já atravessou. Deu a sensação de que minha parte eu fiz", finaliza o diretor Esmir Filho.
*Estagiária sob a supervisão de Severino Francisco
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Retrato de Cazuza
É impossível fazer um filme sobre Ney Matogrosso sem falar de Cazuza. No longa, Cazuza chega abruptamente na vida de Ney e, para o diretor, ainda era difícil escolher como ele seria retratado. A criação do personagem Cazuza para o longa foi muito construída nas conversas do diretor com Ney Matogrosso.Cazuza, interpretado por Jullio Reis, aparece no filme de uma forma diferente do convencional. O personagem é apresentado da forma que Ney enxergava o artista. "Ney me falou que todo mundo conhecia o Cazuza revoltado, mas que poucos conhecem quem ele foi com o Ney. Um Cazuza amoroso, delicado que sempre voltava meio manhoso. Queríamos retratar essa faceta dele, já que é o olhar do Ney sobre ele", conta Esmir Filho.
Ney Matogrosso na capital
Ney Matogrosso chegou em Brasília em 1961 e a capital foi responsável por descobrir a grande voz do artista. Com memórias boas do Colégio Elefante Branco, Ney fez questão de que o filme abordasse os seis anos que viveu na cidade. "Ele falava de uma Brasília com muita liberdade, que ia ser a cidade do futuro mas a ditadura estragou tudo", conta o diretor. O longa mostra o coral que Ney participava e o maestro Levino de Alcântara, que percebeu o talento do músico. Ney trabalhava em um laboratório de um hospital em que fazia biópsias para achar diagnósticos de câncer, normalmente em crianças terminais. "Ele me falou que descobriu a morte em Brasília porque sabia que as crianças não iam estar lá no dia seguinte. Quando veio a epidemia da Aids, ele lembrou desse sentimento e das crianças, de estar perto de pessoas que sabia que iam morrer", conta o diretor.