Literatura

Escritor Itamar Vieira Jr. participa de sessão de conversa na Caixa Cultural

De volta a Brasília, o projeto Sempre um papo traz o vencedor de dois prêmios Jabuti para uma sessão de conversa com o público

Escritor 
Itamar Vieria Jr. 
retoma o projeto 
Sempre um papo: o leitor complementa 
a obra -  (crédito:  ADENORGONDIM.)
Escritor Itamar Vieria Jr. retoma o projeto Sempre um papo: o leitor complementa a obra - (crédito: ADENORGONDIM.)

O escritor nunca tem completo domínio sobre o que foi escrito. A literatura também é feita de interpretações dos leitores, que lançam luz sobre aspectos muitas vezes nebulosos para os próprios autores. Por isso, Itamar Vieira Jr., autor de Torto arado e Salvar o fogo, adora encontrar o público. É a chance de descobrir os próprios romances a partir de outras perspectivas, oportunidade que ele terá hoje, ao participar do Sempre um papo, às 19h30, na Caixa Cultural. "Eu gosto de encontrar os leitores. Acho que a literatura não se resolve com o escritor e com o que foi escrito. Sempre tenho essa sensação, termino de escrever e olho para o livro. Aquele livro é só um objeto, não tem um grande significado, só vai ganhar vida, só vai ser vivido quando os leitores lerem aquela história. E todas as vezes que a história é lida, é revivida por quem lê", garante Itamar.

Nesses encontros, o autor conta, boa parte da curiosidade dos leitores diz respeito ao processo criativo. "Eles querem saber como aquele mundo tão cheio de emoções, subjetividade e vida surge na cabeça de quem escreve. Como se torna um texto literário. Acho que tem um interesse pelo mistério da escrita. Isso para o leitor, porque para o escritor, isso se resolve de outro jeito", explica o autor de Salvar o fogo e Torto arado, este último ganhador dos prêmios LeYa (2018), Jabuti (2020) e Oceanos (2020).

Se, nesses dois primeiros romances, Itamar, baiano de Salvador, conta histórias de famílias do campo cujas vidas estão sempre no limite da sobrevivência e da invisibilidade, no próximo, ainda sem nome, mas já em fase de revisão, os personagens serão habitantes da metrópole. São, Itamar explica, os "desgarrados da terra". "Aqueles que não puderam continuar sobre ela e foram lançados na cidade para desbravar um mundo tão hostil quanto o mundo que viveram no campo", avisa. 

O Sempre um papo não era realizado em Brasília há 16 anos. A última edição foi em 2009. Este ano, estão programados 10 eventos, que vão trazer convidados como Ailton Krenak, em junho, e Bianca Santana, em julho. Em entrevista ao Correio, Itamar Vieira Jr. fala sobre a importância de encontrar os leitores, a inspiração para escrever e o processo criativo.  

Entrevista//Itamar Vieira Jr.

Você diz que as interpretações dos leitores sempre te trazem uma novidade. Pode contar uma situação em que isso ocorreu?  

Sempre acontece. Os leitores, com suas leituras, sua interpretação, iluminam aquilo. Em relação ao acidente que envolve as duas irmãs no começo de Torto arado, por exemplo, uma delas fica muda. Os leitores vêm com suas leituras e me perguntam: você quis mostrar que é uma população invisibilizada, silenciada pela história? Esse acidente tem um simbolismo. A priori eu não tinha nenhuma essa intenção. Pode até ser que tenha ficado no inconsciente, mas não foi deliberado. E essa interpretação lança luz sobre a história, coisa sobre a qual o autor não tem domínio. Sempre vêm interpretações sobre a história que, mesmo que não seja exatamente aquilo, me fazem pensar e refletir sobre a obra. 

Você relê suas obras depois de publicadas?

Raramente. Quase nunca. Só se for feita uma edição revisada. Não costumo reler porque a releitura demanda uma reescrita, então é melhor não ler. Enquanto não foi publicado, leio exaustivamente. Mas depois que é público, não, senão vai ser um grande problema, porque a escrita é feita de reescrita. E ler é reescrever. Quem escreve vai querer reescrever. 

Os leitores sempre ficam muito curiosos em relação ao processo criativo. Como é o seu?

Acho que o autor tem uma imaginação muito aguçada e o leitor se interessa por saber como tudo isso surge, se é inspirado na vida, em pessoas, em acontecimentos. Ou se é fruto da imaginação. Ou se é híbrido. O mistério é esse. Como algo que é criado na mente, que é contado como se fosse verdade, porque a literatura é isso, a gente narra uma história acreditando nela, como isso, de alguma maneira, é possível. Eu acho que todos escritores precisam ser grandes observadores. Escutar mais do que falar. E precisa observar o mundo à sua volta, porque essa é a grande inspiração para as histórias. Mas a vida é limitada, e a gente precisa que um texto literário não se resolva com a verdade e a vida tal qual acontece. Um texto ficcional precisa da imaginação. E a literatura também precisa da memória, que pode ser histórica, mas também pode ser a memória de um corpo, de uma experiência. Tudo isso vai desaguar no texto. 

Qual sua grande inspiração? 

A minha inspiração é a vida. São as pessoas que, infelizmente, ainda não são consideradas dignas de direitos por grande parte da sociedade. São as pessoas que ajudaram a tornar este país o que ele é. É um senso de justiça que me acompanha, de lançar luz sobre a vida delas. É uma vida cheia de experiências, de afeto, porque a riqueza e o dinheiro, não há. Mas há muita vida, afeto, desejo, história. Essas histórias me emocionam e me inspiram a escrever.

Você trabalha agora no terceiro livro da trilogia que já tem Torto arado e Salvar o fogo. Pode falar um pouco sobre a história?

Estou escrevendo. Não sei se estou concluindo, mas acho que estou num momento de compreensão, de revisão, de muita reescrita dessa história que lança luz, diferente de Torto arado e Salvar o fogo, naqueles que foram desgarrados da terra. É um romance que ainda se debruça sobre o direito ao território que ocupamos, seja da rua, seja da terra ou do trabalho. Mas também vai além. Vai falar sobre o direito ao próprio corpo, que é negado a uma parcela significativa da população que é alvo das violências mais brutais.

Você se considera um otimista em relação a essas questões?

Eu me considero otimista. Acho que só o ato de escrever já transmite uma posição ativa de otimismo. Mas é preciso também que a arte seja um instrumento de fruição, de reflexão também, e é dessa maneira que reflito sobre o mundo, sobre meu tempo, sobre o hoje. Imprimo nessas histórias meu testemunho sobre isso. É importante entender o hoje sem esquecer o ado, porque esse ado ainda dita os lugares que as pessoas ocupam na sociedade, ainda imprime entre nós uma desigualdade aviltante. As coisas não são assim porque são, são fruto de um processo social e histórico. É preciso compreender tudo isso. Mas para compreender o presente, é preciso olhar para o ado, porque só assim a gente via projetar um futuro diferente.

postado em 30/04/2025 06:00
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