Visão do Direito

Capacidade normativa das autoridades portuárias para a defesa do meio ambiente

"As Constituições Federal e do Estado de São Paulo reforçam a centralidade da defesa do meio ambiente como direito fundamental e de interesse público"

Zilan Costa e Silva, advogado especializado em direito marítimo e portuário
 -  (crédito: Dilvugação)
Zilan Costa e Silva, advogado especializado em direito marítimo e portuário - (crédito: Dilvugação)

Zilan Costa e Silva* — As autoridades portuárias desempenham um papel essencial na proteção do meio ambiente e da saúde pública, especialmente no que diz respeito ao controle da água de lastro, fundamental para a estabilidade das embarcações, mas que pode transportar organismos de um ecossistema para outro, resultando em graves danos ambientais e sanitários quando não há um controle adequado.

Para enfrentar essa ameaça, a Autoridade Portuária de Santos (APS), o maior porto da América Latina, criou uma norma para garantir que os navios processem corretamente a água de lastro, utilizando tecnologia avançada para assegurar o cumprimento das diversas normas ambientais. Trata-se de um exemplo que merece ser replicado pelos demais portos do Brasil e do mundo, tamanha é a importância do avanço que a nova regra traz para a compatibilização entre proteção ambiental e desenvolvimento comercial.

Chamada NAP. SUAMAS.OPR.023.2024, a nova norma efetiva à fiscalização dos navios, utilizando inteligência artificial para assegurar um monitoramento contínuo, automatizado e de longo alcance. Ganha-se, assim, precisão na identificação de possíveis descumprimentos das normas, evitando a introdução de espécies invasoras e patógenos que podem prejudicar a fauna, a flora e a saúde pública.

Entre as novidades introduzidas pelo Porto de Santos está a substituição de um sistema de fiscalização baseado meramente em amostragens e autodeclarações pela exigência de um monitoramento constante e mais confiável. Ou seja, não dependemos mais apenas das autodeclarações dos comandantes dos navios. Estamos diante de um o concreto no sentido de sabermos, de fato, quantos navios cumprem rigorosamente as normas.

Além disso, a capacidade normativa das autoridades portuárias para a defesa do meio ambiente está consolidada no ordenamento jurídico nacional. A Lei 12.815/13 (artigo 17, § 1º, VI) atribui à autoridade portuária a competência para fiscalizar as operações portuárias, assegurando a regularidade, a eficiência e, sobretudo, o respeito ao meio ambiente. Essa competência está em harmonia com os princípios que tratam da proteção ambiental. As Constituições Federal e do Estado de São Paulo reforçam a centralidade da defesa do meio ambiente como direito fundamental e de interesse público.

Qualquer autoridade portuária do Brasil, no exercício de suas funções istrativas, pode editar normas que busquem assegurar o cumprimento das diretrizes ambientais, sem que isso signifique inovação legislativa. O princípio do in dubio pro natura e a proibição de retrocesso ambiental impõem que qualquer ação istrativa busque sempre o avanço ou a manutenção do nível de proteção ambiental, evitando a deterioração das condições já asseguradas.

Ao estabelecer normas de respeito ao meio ambiente, uma autoridade portuária não cria novas obrigações nem inova no ordenamento jurídico. Pelo contrário, ela está detalhando e aplicando, dentro de sua competência específica, normas federais já existentes, atuando como agente fiscalizador e garantindo a implementação local dos padrões mínimos necessários para a preservação da qualidade ambiental, especialmente da qualidade da água no porto.

O surto de cólera ocorrido em 1999, em Paranaguá, no Paraná, é um triste exemplo que expõe as consequências da ausência de uma norma capaz de dar efetividade à fiscalização. Aquele episódio resultou na morte de três pessoas e no adoecimento de mais de 460. Esse incidente foi atribuído ao descarte inadequado da água de lastro, mostrando como a falta de normas rigorosas e sua aplicação podem ter impactos devastadores na saúde pública. Outro caso grave de invasão de espécies no Brasil é o do mexilhão-dourado, que se desenvolve rapidamente e entope sistemas de canalização, causando enormes prejuízos, como os observados na Usina Hidrelétrica de Itaipu.

A pandemia da Covid-19 mostrou de forma contundente como a globalização facilita a disseminação de doenças. Da mesma forma que o vírus viajou de um continente a outro, a água de lastro pode transportar organismos que afetam tanto a biodiversidade quanto a saúde pública. Esse exemplo reforça a importância de um controle sanitário eficaz em todos os níveis.

Esse controle é essencial não apenas para preservar a biodiversidade e a saúde pública, mas também para evitar prejuízos econômicos e ecológicos de grande escala. A adoção de métodos de fiscalização avançados, como o uso de inteligência artificial, é um o na direção certa. No entanto, sua aplicação contínua e eficaz depende da cooperação entre as autoridades, as empresas e a sociedade.

*Advogado especializado em direito marítimo e portuário

 

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postado em 10/10/2024 03:30
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