CRÔNICA DA CIDADE

Havia um Eixão no meio do caminho: a poesia de Drummond em Brasília

O poeta, que conheceu Brasília ainda no plano cartesiano de um desenho sobre o papel, talvez se surpreendesse ao vagar pela cidade hoje e perceber que no meio da cidade há um Eixão do Lazer pujante

Eixão do Lazer -  (crédito: Foto: Reprodução/DER)
Eixão do Lazer - (crédito: Foto: Reprodução/DER)

Carlos Drummond de Andrade trazia leveza e bom humor em seus textos. O que inspira o título desta crônica é um deles. Como não sorrir ao terminar de ler No meio do caminho? "Nunca me esquecerei desse acontecimento / Na vida de minhas retinas tão fatigadas / Nunca me esquecerei que no meio do caminho / Tinha uma pedra / Tinha uma pedra no meio do caminho / No meio do caminho tinha uma pedra."

Drummond trabalhou por mais de 10 anos no mesmo corredor de um órgão público de urbanismo no Rio de Janeiro onde atuava Lucio Costa, como lembra matéria de 2019 do Correio. Narrou, em uma crônica, que o urbanista certo dia apareceu e colocou sobre sua mesa um papel com desenhos que pareciam uma cruz ou um avião. Era o esboço do Plano Piloto, que, com texto revisado pelo escritor, venceria o concurso para a construção da nova capital.

Pois o poeta, que conheceu Brasília ainda no plano cartesiano de um desenho sobre o papel, talvez se surpreendesse ao vagar pela cidade hoje e perceber que no meio da cidade há um Eixão do Lazer pujante, onde diversas tribos se encontram para aproveitar algumas horas de sol e brisa leve no fim de semana. 

No meio do caminho, há um Eixão, e ele é tão inesquecível quanto a pedra do poema célebre. Nesta última edição, além dos eios de bicicleta, das brincadeiras de criança e da água de coco, teve espaço para a inclusão no Eixão atípico, promovido pela Ordem dos Advogados do Brasil no Distrito Federal (OAB-DF). Com programação diversa, profissionais de diferentes áreas mostraram como evoluímos nas descobertas sobre acolhimento e integração de pessoas neurodivergentes.

Drummond foi um homem de seu tempo, mas hoje certamente conseguiria lançar um olhar de atenção sobre as pautas da diversidade. Há décadas notou e registrou também em texto as discrepâncias entre o Plano Piloto e a maior região istrativa da cidade. Assim anotou em seus versos:

"A suntuosa Brasília, a esquálida Ceilândia / contemplam-se. / Qual delas falará primeiro? / Que tem a dizer ou a esconder uma em face da outra? / Que mágoas, que ressentimentos prestes a saltar / da goela coletiva e não se exprimem? / Por que Ceilândia fere o majestoso orgulho da flórea Capital? / Por que Brasília resplandece / ante a pobreza exposta dos casebres de Ceilândia, / filhos da majestade de Brasília? / E pensam-se, remiram-se em silêncio / as gêmeas criações do gênio brasileiro."

Hoje, ele é homenageado na Biblioteca pública de Ceilândia, que leva seu nome. Salve, Ceilândia; salve o Eixão; salve, Drummond!

postado em 19/05/2025 10:01 / atualizado em 19/05/2025 10:21
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