
Com a retomada dos grandes shows e festivais, aumentam os problemas na hora de comprar ingressos. Taxas de conveniência com valores duvidosos, exigência de serviços extras, dificuldades para obter reembolso estão entre as principais reclamações.
A estudante de medicina, Luíza Ferreira, 24 anos, estava empolgada com o retorno da turnê de uma banda internacional que ela acompanha desde a infância. Quando os ingressos foram colocados à venda, ela ou o site autorizado e garantiu seu lugar. Só depois percebeu que, além do valor do bilhete, havia sido cobrada uma taxa de conveniência de R$ 98, que equivale a quase 30% do valor do ingresso. "Achei estranho, porque fiz todo o processo sozinha, on-line. Que conveniência é essa?", questiona a jovem.
A situação de Luíza não é isolada. Em alguns casos, essas taxas representam até metade do valor do ingresso, sem qualquer explicação clara sobre o que estão cobrando ou oferecendo em troca. De acordo com Max Kolbe, advogado especialista em direito do consumidor, as taxas de conveniência são permitidas, mas devem respeitar os princípios do Código de Defesa do Consumidor (CDC), como transparência, boa-fé e vantajosidade real ao consumidor.
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O Superior Tribunal de Justiça (STJ), reconheceu que a cobrança da taxa de serviço é legal, desde que corresponda efetivamente a um serviço adicional, como a comodidade de adquirir o ingresso sem sair de casa. Contudo, a cobrança não pode ser abusiva. De acordo com o Programa de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon) e o Instituto de Defesa de Consumidores (IdeC), o valor não pode ultraar 20% do preço pago pelo ticket.
A lei
O CDC determina que nenhuma cobrança pode ser feita sem a devida transparência e consentimento claro do consumidor. Mais do que isso: o serviço adicional precisa, de fato, representar um benefício. Max Kolbe alerta que o art. 39, I do CDC proíbe a prática de venda casada. Esse tipo de venda consiste em condicionar o fornecimento de um produto à aquisição de outro. "O consumidor não é obrigado a pagar por seguros, taxas de entrega ou outros adicionais se não quiser. A cobrança automática de serviços não solicitados é abusiva e pode ser questionada judicialmente", ressalta o dr. Max Kolbe.
O analista de sistemas Marcos Tavares, 31, ou pela seguinte situação ao tentar adquirir entradas para um festival de música eletrônica em São Paulo. "O site dizia que a entrega só poderia ser feita via Correios, com taxa de R$ 75. Não havia opção de retirada no local ou impressão em casa", conta. Marcos tentou contato com a empresa, mas não obteve retorno. No final, pagou o valor, mas sentiu-se lesado. "A sensação é de impotência. Você quer ir ao show, mas se vê obrigado a aceitar condições injustas."
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Uma das maiores dúvidas dos compradores é se existe diferença para o consumidor entre compras feitas diretamente na bilheteria física e pela internet. O especialista destaca que os direitos são os mesmos, exceto nos prazos para desistir do produto: "Na compra pela internet, o consumidor pode exercer o direito de arrependimento em 7 dias, conforme o art. 49 do CDC. Já na compra presencial, esse direito não se aplica, salvo previsão contratual. Fora isso, todos os demais direitos, como informações claras, reembolso em caso de cancelamento, entre outros, são idênticos", explica o especialista.
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Reembolso
Outro problema recorrente são os cancelamentos de shows, principalmente em festivais com atrações internacionais. Em muitos casos, o consumidor tem dificuldade para obter o reembolso integral do valor pago, incluindo taxas. Segundo o CDC, quando o evento é cancelado por culpa da organização, o consumidor tem direito à devolução total do que pagou, de forma imediata e corrigida monetariamente.
Qualquer alteração relevante nas condições originalmente contratadas, como data, local ou atrações principais, configura descumprimento de oferta, segundo o art. 35 do CDC. Nesse caso, o consumidor pode optar entre o reembolso integral do valor pago, o reagendamento ou a troca por outro evento equivalente, se disponível. Essa escolha cabe exclusivamente ao consumidor, e não ao organizador do evento. "As empresas costumam empurrar vouchers ou devoluções parciais, o que é ilegal. O consumidor deve exigir o reembolso completo, sem precisar aceitar outras formas de compensação, se assim preferir", alerta o advogado.
Caso a compra do ingresso seja realizada por terceiros, por exemplo, em plataformas de revenda, os direitos do consumidor são mantidos, porém com algumas limitações. Nesses casos, o consumidor pode não estar coberto pelas políticas oficiais do evento, no entanto, se a plataforma intermediar a venda, ela responde solidariamente pelos serviços prestados. O especialista completa: "É fundamental guardar comprovantes e usar plataformas que ofereçam garantias de reembolso em caso de fraude, cancelamento ou problemas na utilização do ingresso".
Onde reclamar?
Caso sinta-se lesado, o consumidor pode registrar queixa no Procon, em plataformas como Reclame Aqui, ou até acionar o Juizado Especial Cível.
É importante reunir o máximo de provas possíveis: prints da tela com valores cobrados, recibos de pagamento, e-mails de confirmação e qualquer troca de mensagem com a empresa responsável. Esses documentos são essenciais tanto para registrar uma reclamação formal quanto para abrir um processo judicial, caso necessário.
Além do Procon e do Reclame Aqui, o consumidor também pode registrar a queixa na plataforma Consumidor.gov.br, um canal oficial do governo federal que permite o contato direto entre consumidores e empresas.
Nos casos em que o problema persiste mesmo após a tentativa de resolução amigável, o ideal é procurar o Juizado Especial Cível, que trata de causas de até 40 salários mínimos. Para valores até 20 salários mínimos, o consumidor pode entrar com a ação sem precisar de advogado. É um caminho rápido e gratuito para buscar reparação por cobranças indevidas, reembolsos negados ou práticas abusivas.
Enquanto o palco aquece para a próxima grande apresentação, o exercício da cidadania deve começar antes mesmo da bilheteria abrir.
*Estagiária sob a supervisãode Márcia Machado