Maternidade

Mães universitárias tentam conciliar jornada de estudos com maternidade

Mesmo com leis recentes dedicadas às acadêmicas quem têm filhos, mulheres ainda enfrentam dificuldades dentro das instituições de ensino para terminar os estudos após serem mães

 02/05/2025 Bruna Gaston CB/DA Press. Mães Universitárias 
       -  (crédito:   Bruna Gaston CB/DA Press)
02/05/2025 Bruna Gaston CB/DA Press. Mães Universitárias - (crédito: Bruna Gaston CB/DA Press)

Maria Luísa Tavares, 20 anos, descobriu que estava grávida em novembro do ano ado e tomou a decisão de trancar o semestre seguinte na Universidade de Brasília (UnB). Na época, estava no quarto semestre do curso de engenharia agrônoma. “Meu curso demanda muito esforço físico. Eu ia frequentemente para trabalhos em fazenda e, por isso, resolvi trancar durante a gestação. Também não tenho carro e dependia de transporte público para ir até a UnB, era bastante exaustivo”, explicou a estudante, que disse ter aulas em todos os períodos do dia, inclusive à noite.

Quando seu filho, João Paulo, nascer, no final de junho, Maria não pensa em levá-lo para a universidade. “Terei que contar com rede de apoio porque não acho que o ambiente acadêmico seja inclusivo nesse sentido. Conheci uma menina que levava a irmã dela pequena para ajudar a mãe e ela tinha que sair da sala quando a criança começava a fazer barulho”, contou. “Eu até havia escutado sobre uma creche e achei uma iniciativa legal, mas ou meses e meses e ainda não a vi”, completou.

Concluir a graduação ou pós graduação em uma universidade pública já é, por si só, uma tarefa difícil. A imprevisibilidade de horários, os trabalhos e a rotina das aulas é cansativa. Para quem vive, ainda, uma rotina de cuidados em casa, o esforço é dobrado ou triplicado. De acordo com dados do Instituto de Pesquisa e Estatística do Distrito Federal (IPEDF), atualmente, 49.350 mulheres que frequentam instituições de ensino na capital declararam ter ou já ter tido filhos. Mesmo com o grande número, conciliar cuidar de uma vida e desenvolver uma carreira é um desafio em muitos âmbitos.

Ano ado, aos 40 anos e em meio a um doutorado na UnB, Marcella Suarez, 42, descobriu a gravidez. Na época, ela se preparava para fazer um semestre em Barcelona. A gestação veio de surpresa, uma vez que ela e o marido tentaram engravidar antes da pandemia, mas já não estavam com a mesma ideia. Mesmo incerta sobre como seria, ela decidiu ir à Espanha e não desperdiçar a oportunidade. “Na época enfrentei alguns julgamentos sobre ter ido, ter escolhido conciliar a carreira e maternidade, mas fui mesmo assim. O assunto só dizia respeito a mim e a meu companheiro”, disse Marcella.

 02/05/2025 Bruna Gaston CB/DA Press. Mães Universitárias
Quando estava grávida, Marcella foi a espanha para fazer um semestre de seu doutorado (foto: Bruna Gaston CB/DA Press)

Após o nascimento de Leo, de 1 ano e 1 mês, o casal voltou ao Brasil quando o menino tinha 43 dias de vida e ela continuou sua pesquisa no campus Darcy Ribeiro. “Com um bebê, tenho me sentido perdida em tudo que tenho que fazer. A vontade é largar tudo para o ar e só ficar com meu filho. A gente faz de tudo para ter uma carreira e se esforça para ter uma carreira e chega uma hora que mesmo assim não damos conta porque a sociedade não se constituiu de uma forma que faça a formação das crianças para além do pai e da mãe. Não temos nem creches públicas, só parcerias com o GDF com creches”. Ela conta que, embora tenha encontrado acolhimento no curso, sente dificuldades enquanto mãe na UnB. “Algumas pessoas foram super compreensivas e outras nem tanto. Tive e ainda tenho muita dificuldade de participar de atividades presenciais por não ter com quem deixar meu filho. Sinto falta de um espaço, talvez com uma monitora, que pudessem ficar com as crianças enquanto as mães assistem às aulas. Não acho que é uma questão de falta de empatia, é de falta de políticas públicas”

Marcella não planejava a gravidez de Léo, de 1 ano e 1 mês
Marcella não planejava a gravidez de Léo, de 1 ano e 1 mês (foto: Cedido ao Correio)


Legislação


No Brasil, foi aprovada em abril deste ano a Lei nº 15.124, que veda a adoção de critérios discriminatórios contra estudantes e pesquisadores em virtude de gestação, de parto, de nascimento de filho e, também, de adoção ou obtenção de guarda judicial. O texto trata dos processos de seleção para bolsas de estudo e pesquisa nas instituições de educação superior e considera critério discriminatório a realização de perguntas de natureza pessoal sobre planejamento familiar nas entrevistas para as vagas. Ano ado, outra legislação importante foi aprovada. A Lei nº 14.925 estabelece a prorrogação, pelo tempo mínimo de 180 dias, dos prazos de conclusão de disciplinas, entregas de trabalhos finais e defesa de dissertações e teses de estudantes e pesquisadores por motivo de parto, nascimento de filho, adoção ou obtenção de guarda judicial.
Antes das recentes medidas, as mães estudantes do país contavam apenas com a Lei 6.202/1975, que atribui à aluna gestante o regime de exercícios domiciliares a partir do oitavo mês de gravidez. Mesmo com as mudanças promovidas pelas iniciativas, a legislação brasileira não institui, em âmbito nacional, outras garantias a essa parcela da população, delegando às próprias instituições a criação, ou não, de políticas institucionais.

Universidade de Brasília

Na Universidade de Brasília (UnB), uma das maiores universidades públicas do país, a Política Materna e Parental, publicada em julho do ano ado, tem como objetivo garantir condições institucionais para a permanência de mães, pais e responsáveis que compõe a comunidade acadêmica nos campus da instituição. A medida institui a garantia de espaços acolhedores a esse público, assim o como apoio à formação à sua formação acadêmica e a promoção de campanhas de prevenção ao assédio moral e à violência institucional, entre outros pontos.

"A Universidade de Brasília valoriza profundamente o papel das mães em sua comunidade acadêmica, sejam elas docentes, técnicas ou estudantes. Recentemente, retomamos o contato com o coletivo de mães da UnB, que tem representação no comitê gestor responsável pelo acompanhamento do acordo firmado entre a UnB e a Secretaria de Educação do Distrito Federal para o funcionamento do Centro de Educação Infantil", afirmou a Reitora da Universidade de Brasília, Rozana Naves. "Nosso compromisso é seguir construindo um ambiente universitário mais inclusivo, acolhedor e sensível às demandas da comunidade", completou.

De acordo com Claudia Renault, responsável pela secretaria de Direitos Humanos da UnB, a universidade conta com um espaço de amamentação na Biblioteca Central, que é equipado com cadeira de amamentação, micro-ondas, geladeiras, e espaço para higienização das crianças e das mães. "Há outros locais, que estão no projeto para ampliação em 2025. Também equipamos os banheiros com fraldário para higiene e troca de fraldas", contou. Claudia explica que outra medida oferecida pela universidade é o Programa Auxílio Creche, que oferece R$ 700 à estudante mãe em situação de vulnerabilidade socioassistencial e que estejam regularmente matriculado na UnB. "Foram ofertados 70 auxílios no ano de 2024 e estamos aguardando, ainda, o edital para 2025.

Além do auxílio creche a UnB tem parceria com a Secretaria de Educação do Distrito Federal (SEEDF) com vagas específicas no Centro de Ensino Infantil da UnB. Para atender crianças do berçário II, maternal I e II e primeiro e segundo período", completou. Ainda segundo a assistente social, a instituição tem planos de aumentar suas ações. "Estamos mapeando o número de crianças que acompanham as mães e responsáveis e que precisam fazer as refeições na UnB. Queremos que eles possam usufruir junto com o responsável das alimentações sem custos adicionais", disse Claudia. "Também estamos trabalhando em atividades culturais e esportivas para atender a essa comunidade da UnB, em parceria com a SDH e suas coordenações e setor internacional, o DAC e suas diretorias", completou.


Perspectivas

Para a advogada Lina Rezende, especialista em violência contra mulheres e meninas e mestre em Direitos Humanos, muitas políticas dentro das instituições são construídas pelas próprias alunas, que garantem ações mínimas como o regime especial de estudos, licenças maternidade e o à assistência estudantil. "As Federais possuem um arcabouço significativo de assistência aos estudantes, incluindo as mães atualmente no Brasil, contudo, ainda é necessário conscientização e mais vontade política do Governo na estrutura das Federais como um todo", afirma. "Quando se trata de assédio ou discriminação por parte de professores ou membros da equipe acadêmica, as alunas podem — e devem — buscar amparo tanto nas instâncias institucionais quanto legais. Ouvidorias, comissões de ética, núcleos de gênero e centros acadêmicos são os primeiros espaços de denúncia dentro das universidades, mas é fundamental lembrar que o assédio, seja moral ou sexual, é crime e pode ser denunciado às autoridades competentes, como o Ministério Público, a Defensoria Pública ou às delegacias", completa.

Para Rezende, a legislação brasileira protege as estudantes que são mães ou estão grávidas, mas ainda de forma pouco ível à maioria das jovens mães universitárias. "A aplicação efetiva dos direitos garantidos na constituição depende, na prática, da boa vontade das instituições e da capacidade das alunas em reivindicá-los. Ainda vivemos um cenário em que ser mãe dentro da universidade é, muitas vezes, sinônimo de resistência diária, e a luta por permanência se confunde com a própria luta por existência", aponta.

  • Marcella não planejava a gravidez de Léo, de 1 ano e 1 mês
    Marcella não planejava a gravidez de Léo, de 1 ano e 1 mês Foto: Cedido ao Correio
  • Maria Luísa optou por trancar o semestre na UnB
    Maria Luísa optou por trancar o semestre na UnB Foto: Bruna Gaston CB/DA Press
  • Grávida, Marcella fez parte do doutorado na Espanha
    Grávida, Marcella fez parte do doutorado na Espanha Foto: Bruna Gaston CB/DA Press
postado em 03/05/2025 06:00
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