
Na superfície do Lago Paranoá, um barco corta as águas no ritmo cadenciado de remos sincronizados. Nele, 22 mulheres se movem em perfeita harmonia, impulsionadas por um propósito maior do que a força física: a superação. As remadoras fazem parte do Canomama, equipe de canoagem em dragon boat formada por sobreviventes do câncer de mama, um exemplo vivo de superação, força e solidariedade. O projeto não apenas promove a reabilitação física, mas também cria laços afetivos e uma rede de apoio fundamental para essas mulheres que enfrentaram uma das maiores batalhas de suas vidas.
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A história do Canomama está inserida em um movimento mundial iniciado pelo médico canadense Donald McKenzie. Em 1996, ele desafiou a crença de que pacientes com câncer de mama deveriam evitar atividades físicas intensas para prevenir o linfedema — uma complicação crônica decorrente do tratamento do câncer. Seus estudos demonstraram que a canoagem, especialmente no formato dragon boat, além de não causar danos, contribuía para a melhora da mobilidade, redução do risco de linfedema e fortalecimento emocional das participantes.
Remar é recomeçar
Cada remadora do Canomama carrega uma história de luta e esperança. Francinélia Soares, de 62 anos, chegou ao grupo em 2019, após seu pai assistir a uma reportagem sobre o projeto. "Ele viu na televisão e me disse: 'Minha filha, esse esporte é para você'. Me apaixonei pelo remo e nunca mais parei. Aqui encontrei um grupo que se apoia e promove um novo significado para a vida", conta.
Maria de Souza, de 52 anos, descobriu o câncer em 2023 e encontrou no Canomama um refúgio. "Há certas coisas que você fala com a pessoa que é igual a você, que sabe exatamente todas as dores e conhecem todo o processo, e que sentiram na pele o que é receber um diagnóstico de câncer de mama", explica.
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Marisa Hozana, de 57 anos, conheceu o grupo em 2022, depois de ar por duas cirurgias delicadas e uma radioterapia exaustiva. Com limitações no movimento devido à retirada de uma mama, ela temia nunca mais sentir-se ativa. "Quando entrei no barco, pensei: eu não estou sozinha no mundo. Existe vida após o câncer", comenta.
Larissa Lima, presidente do projeto, conheceu o Canomama durante seu tratamento de câncer. "Quando me apresentaram a ideia, pensei: se eu sobreviver, vou me dedicar a isso. Hoje, cada remada é uma vitória", relata. Para ela, o barco simboliza acolhimento. "Permite que cada uma encontre seu espaço, respeitando suas limitações", complementa.
A presidente destaca que o dragon boat foi escolhido por um motivo especial: ele acolhe todas as limitações deixadas pelo tratamento do câncer de mama: "Aqui, a força está na união, não na competição. A maior batalha, já vencemos. Agora, remamos por amor e comunhão".
Os benefícios do esporte
Além do impacto emocional e social, a prática da canoagem traz inúmeros benefícios físicos. Estudos apontam que a remada melhora a mobilidade dos ombros, reduzindo as limitações frequentemente causadas pelas cirurgias de mastectomia e pela radioterapia. Também há uma melhora significativa no equilíbrio e na coordenação motora, elementos essenciais para a recuperação das participantes.
Para muitas, o movimento da remada representa mais do que exercício físico. "Quando estamos aqui, nos esquecemos dos dias difíceis do tratamento. A companhia e a cumplicidade com nossas parceiras de remo me traz paz e me faz sentir viva novamente", reflete Marisa.
O dragon boat também é uma ferramenta poderosa contra o isolamento social, um dos desafios enfrentados por muitas mulheres após o diagnóstico e tratamento do câncer. A convivência dentro e fora da água cria um sentimento de pertencimento e renova a autoestima.
"Antes de entrar no Canomama, eu me sentia perdida. Não sabia como recomeçar minha vida após o câncer. Hoje, sou uma mulher diferente. Mais forte, mais confiante e cercada de amigas que entendem exatamente pelo que ei", compartilha Maria.
Um movimento global
O Canomama faz parte de um movimento global que reúne mais de 150 equipes de sobreviventes do câncer de mama ao redor do mundo. No Brasil, 18 equipes, sob orientação das Remadoras Rosa do Brasil, seguem as diretrizes do International Breast Cancer Paddler's Commission (IBC). O objetivo do movimento é incentivar a formação de mais grupos e garantir que cada vez mais mulheres encontrem no dragon boat um caminho para a recuperação.
O dragon boat, originário da China, é um barco que se destaca pelas cabeças e caudas de dragão esculpidas. A embarcação do Canomama foi conquistada em 2022 por meio de doações. No barco, a sincronia vale mais do que a força: são 20 remadoras, uma responsável pelo leme e outra, pelo tambor, posicionados um pouco acima das remadores, onde ditam o ritmo das remadas. Curiosamente, as mulheres com limitações nos dois braços assumem essas posições de destaque, transformando o que poderia ser uma vulnerabilidade em um símbolo de protagonismo.
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