
Os 12 anos de pontificado de Jorge Mario Bergoglio — que escolheu o nome Francisco para sinalizar que estaria ao lado dos mais pobres durante o período em que assumiria a Cátedra de São Pedro — foram marcados por reformas e uma mudança de olhar na Igreja Católica do século 21. Desta forma, o padre jesuíta Jerfferson Amorim de Souza, mestre em filosofia, ciências sociais e ciência política, acredita que o legado do papa argentino será mantido por seu sucessor, independente de quem assuma após o conclave.
“As linhas mestras do pontificado dele e as preocupações que ele trouxe para a Igreja, as reformas que ele fez na Igreja, tudo isso são elementos que a gente pode dizer que não tem como dar marcha a ré. Então, com certeza, o próximo papa vai acolher esse legado, como todos fazem, e ao mesmo tempo, levar adiante, com muita serenidade, que a Igreja necessita para esse momento, pós pontificado de Francisco”, disse ontem o jesuíta, durante o programa CB.Poder — uma parceria do Correio com a TV Brasília.
O padre Jerfferson teve a oportunidade de dialogar com o pontífice em 2022, durante um encontro virtual promovido pelo Pontifício Conselho para a América Latina com estudantes de universidades jesuítas da América Latina e dos Estados Unidos. Na ocasião, o então estudante de teologia foi convocado, com outra discente do curso, para falar sobre os problemas sociais no Brasil, com destaque para a migração, que sempre foi um tema recorrente nos discursos de Francisco.
Desta forma, ele destacou o problema da insegurança alimentar, que ainda acomete diversos brasileiros em todas as regiões do país. “Contando pessoas que estavam em situações de fome e miséria, que tinham, no máximo, uma refeição por dia, a gente poderia contar entre 40% e 50% da população. E quando nós falamos isso, isso causou impacto nele”, recordou.
O fato de ser latino-americano, na visão do padre jesuíta, possibilitou uma presença ainda maior da atuação da Igreja na região, sobretudo por ainda contar com níveis elevados de desigualdade e pobreza. “Então, quando ele vai para o pontificado, ele não renuncia a história dele, ele não renuncia a trajetória dele. Ele leva justamente para o Vaticano e para a missão de conduzir a barca de Pedro essa experiência que é fruto da tradição legítima e profunda da Igreja na América Latina”, ressalta.
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Uma das imagens marcantes do pontificado de Francisco foi a oração Urbi et Orbi, que em português significa “para a cidade (Roma) e o mundo”, feita em abril de 2020 durante o auge da pandemia de covid-19. Praticamente sozinho e em uma tarde escura e chuvosa, o papa transmitiu uma mensagem de esperança e alento para um mundo assustado e cheio de incertezas frente a um vírus que se alastrava por todas as nações.
“Só haveria caminhos de solução para a pandemia se esse caminho fosse coletivo, comunitário. Se os países que tomam decisões na esfera política se organizassem e ajudassem para que pudéssemos encontrar uma solução na perspectiva da vacina para a pandemia, mas ao mesmo tempo nos ensinou algo importante. Ele frisou na fala dele, naquela bênção, que nós todos estávamos em um mesmo barco e que precisávamos, então, sair dessa situação juntos”, comentou.
Missão da Igreja
Sobre o legado de Francisco, o padre acredita que está em direta sintonia com um dos legados da Igreja, de levar o que ele chamava de ‘alegria do Evangelho’, como escrito na primeira encíclica publicada pelo pontífice, em 2013: a Evangelii Gaudium. Nesse sentido, tinha o desejo de reapresentar a figura de Jesus Cristo pela contemplação da sua vida, paixão, morte e ressurreição.
“Sempre que se perde o nosso olhar direcionado para Jesus, a gente pode ir enfraquecendo na fé e perdendo os nossos caminhos. E o pontificado do Papa Francisco é marcado por isso, porque ele recoloca a Igreja na linha do Evangelho e no coração do Evangelho, na pessoa de Jesus Cristo”, destaca.
Desta forma, Francisco nunca deixou de afirmar que acreditava em uma Igreja missionária, como um bom jesuíta que era, o que já estava clarividente quando veio ao Brasil logo após subir à Cátedra de Pedro, durante a Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro. Para o padre Jefferson, aquela JMJ foi um grande marco no pontificado do papa argentino, no qual ele conseguiu transmitir suas posições enquanto novo Bispo de Roma e líder da Igreja Católica no mundo.
“Ele dizia que a Igreja deveria ser um ‘hospital de campanha’, que arma a sua tenda onde as situações de sofrimento estão acontecendo. Ir ao encontro das pessoas para escutar suas alegrias, saber dos seus sofrimentos, e muitas vezes para que, escutando e acompanhando elas, nós possamos oferecer aquilo que a gente tiver de melhor, que é a pessoa de Jesus, que nos ajuda colocando remédio nas dores da humanidade que sofre”, acrescentou o padre.