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Divórcios em queda no primeiro ano da pandemia

Levantamento divulgado ontem pelo IBGE revela que separações de casais diminuíram em 2020, na comparação com 2019. Distrito Federal e Brasil registraram menos demandas judiciais. Por outro lado, pedidos nos cartórios apresentaram crescimento

ARTHUR RIBEIRO*CARLOS SILVA*
postado em 19/02/2022 00:01 / atualizado em 19/02/2022 07:42
 (crédito: Editoria de Arte/CB)
(crédito: Editoria de Arte/CB)

A quantidade de divórcios registrados no primeiro ano da pandemia diminuiu no Distrito Federal, na comparação com 2019. O dado consta do levantamento Estatísticas do Registro Civil, divulgado ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em um ano de crise global, a queda teria decorrido, principalmente, de uma menor demanda por separações na esfera judicial. A suspensão das atividades presenciais nos órgãos públicos seria um dos fatores que contribuiu para esse cenário, segundo o órgão de pesquisa.

Na primeira instância, a quantidade de divórcios concedidos pelo Poder Judiciário apresentou a maior redução: de 4.648, em 2019, para 3.256 no ano seguinte — queda de 29,9%. Por outro lado, em âmbito extrajudicial, em cartórios, o número aumentou 5,8%, de 2.092 para 2.213, no período considerado. Um dos destaques do levantamento é que a maioria dos casamentos (54,6%) durou menos de 10 anos e envolvia regime de comunhão parcial de bens.

Joel de Oliveira Souza, 31 anos, enquadra-se no perfil da pesquisa. Após um relacionamento de três anos e um casamento de cinco meses, ele e a ex-companheira decidiram seguir caminhos diferentes na vida. Os dois se separaram em março de 2020, no momento em que a covid-19 chegava ao Brasil. "No (período de) namoro ou noivado, nós morávamos em casas diferentes, e ela ficava comigo alguns dias do fim de semana. Quando começou a pandemia, fui demitido e, a partir daí, ficamos muito tempo juntos. Acho que não tínhamos maturidade suficiente para casar. Talvez, poderíamos ter ficado mais tempo nos conhecendo, entendendo e superando algumas questões", relata o vendedor.

No DF, o tempo médio entre a data de casamento e de publicação da sentença ou entrega da escritura do divórcio era de 12 anos, em 2020. No entanto, no caso de Joel e da ex-esposa, o processo ocorreu bem mais rápido. Em uma semana, os dois estavam com os papéis assinados. "Era uma quinta-feira quando entreguei os documentos ao advogado. Na segunda-feira, firmamos a separação", conta o morador de Taguatinga Sul. "Sobre o casamento, acho que fiz o certo. Mas, depois que finalizamos tudo, eu me senti bem melhor. Sem pressão, sem estresse", completa.

Advogada na área familiar, Brenda Cecília Viana Fernandes destaca que as causas para o fim de um casamento são variadas nos casos que analisa. Em uniões de menos tempo, elas incluem expectativas frustradas, dificuldades de comunicação e ciclos não concluídos com relacionamentos ados. Entre casais de longa data, os motivos mais comuns envolvem desgaste da vida a dois, infidelidade, crise financeira e violência doméstica. "Há outros momentos, como os primeiros dois anos de casados, que são uma fase de adaptação, ou a chegada de filhos, pois há uma mudança de foco do casal para uma criança", comenta.

Percepções

Técnico do IBGE, Christiano Raposo considera que a diminuição de quase 19% no total de divórcios no DF, entre 2019 e 2020 (leia Separações), tem relação com as dificuldades na coleta de dados de divórcios nas varas de família, cíveis e nos fóruns judiciais, onde os servidores adotaram trabalho remoto. "Não há certeza de que a produção de sentenças continuou com o isolamento social. Muitos processos podem ter sofrido atrasos nesse período, o que pode ter ajudado a reduzir o número de separações no primeiro ano da pandemia. Além disso, em função dessas dificuldades (da crise sanitária), alguns casais podem ter adiado o início do processo, principalmente os judiciais", ressalta.

Casada por 18 anos, Eunice França, 41, enfrentou a separação naquele ano. Entre os fatores que funcionaram como gatilho para a decisão estava a convivência na pandemia. "Na situação que o mundo vivia, eu me sentia muito vulnerável e, ao mesmo tempo, forte para tomar decisões importantes. O insight veio em um momento de muita solidão. A crise sanitária me fazia perceber a dor do vazio de estar reclusa. E, com mais tempo em casa, todos os pontos negativos da relação ficaram mais visíveis, notórios e cotidianos", detalha a moradora de Sobradinho.

Supervisora no Senado Federal, Eunice conta que o tempo desde o contato com o advogado até a finalização dos trâmites levou cerca de três meses. Um dos fatores que facilitou esse andamento — e que, atualmente, tem agilizado ações na Justiça — foi a possibilidade de as audiências ocorrerem pela internet. "Não tive dificuldades, até porque a decisão de me divorciar por todos os fatores pessoais e emocionais era certa. Nesse período, fui orientada e acompanhada em relação aos meus direitos, o que facilitou todo o processo, tanto emocional quanto judicial", diz.

Hoje, um ano e meio depois da separação, Eunice reconhece que o divórcio envolve uma forma de luto e compartilha uma reflexão com quem precisa ar pelo fim de uma parceria séria como o casamento: "Todo luto demanda tempo (para recuperação). Não será hoje que você voltará a frequentar festas, a sorrir para a vida, a ser leve e desimpedido. Esses dias chegarão, mas, também, dê ao luto o tempo necessário. A tristeza precisa ser vivida, não sufocada. Caso contrário, ela cria raízes e vira mágoa", pondera.

Critérios

No Brasil, o total de divórcios registrados em 2020 teve a maior redução da série histórica, com início em 1984. Foram 331.185 separações, 13,6% a menos do que em 2019. Os números levam em conta os casos judiciais e extrajudiciais (leia Para saber mais). O início do isolamento social provavelmente impactou os resultados que envolvem o Poder Judiciário, segundo o IBGE.

Entretanto, levantamentos do Colégio Notarial do Brasil — instituição que representa os cartórios de notas do país — apontaram alta nos divórcios em 2020. E o estudo do IBGE atesta esse cenário: as separações fora das cortes tiveram alta de 1,1% naquele ano, que terminou com 81.311 registros desse tipo.

Gerente da pesquisa Estatísticas do Registro Civil, Klívia Brayner acredita que o leve aumento tenha relação com a situação de casais que procuraram os cartórios devido às dificuldades de o às varas da Justiça na pandemia. "(Além disso,) há critérios para que os divórcios extrajudiciais ocorram. Eles precisam ser consensuais e, na maioria dos estados, não são feitos quando o casal tem filhos menores de idade", enfatiza.

Sobre o fim dos casamentos nesse período, a advogada Brenda Cecília Viana acredita que o estresse tenha peso para a decisão. "As famílias precisaram viver socialmente isoladas, muitas vezes em um lugar pequeno, e obrigadas a trabalhar de casa, sem condições adequadas e com crianças em aulas on-line. O desgaste da vida a dois se intensifica", observa.

Colaborou Arthur de Souza

*Estagiários sob a supervisão de Jéssica Eufrásio

 

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