
Cerca de 20 milhões de hectares de vegetação nativa do Cerrado foram consumidos por incêndios iniciados em áreas desmatadas entre os anos de 2003 e 2020. O número, revelado em pesquisa do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), evidencia como o uso do fogo para “limpar” o solo após a derrubada da mata tem extrapolado os limites do controle e afetado, principalmente, áreas preservadas.
O levantamento, publicado nesta terça-feira (27/5) pelo Ipam, contou com colaboração de cientistas brasileiros e internacionais, abrangendo os estados do Mato Grosso, Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, regiões que concentram os maiores índices de supressão vegetal no bioma. No total, foram avaliados 105,1 milhões de hectares, um território equivalente à soma da França com o Reino Unido.
Segundo o estudo, apenas 7% das queimadas se restringiram às áreas desmatadas. Os outros 93% escaparam para o entorno, afetando vegetação nativa que não havia sido convertida. Os incêndios ligados ao desmatamento ocorrem, na maioria das vezes, no final da estação seca, período em que a vegetação está mais inflamável. Isso aumenta o potencial de “fuga” do fogo para áreas vizinhas. O comportamento do incêndio é distinto dos focos naturais ou de queimas tradicionais controladas por comunidades locais.
Entre todas as categorias fundiárias, propriedades privadas são as que concentraram os maiores danos. De acordo com o estudo, 14,7 milhões de hectares de vegetação nativa foram queimados por fogo proveniente de áreas desmatadas, o equivalente a 27% da cobertura vegetal nesses territórios. Na sequência estão as unidades de conservação de uso sustentável, com 1,4 milhão de hectares atingidos.
As terras indígenas, embora entre as que menos desmataram (apenas 81,5 mil hectares), sofreram com 1,2 milhão de hectares queimados, o que representa 16% de sua vegetação nativa total. Já as unidades de conservação de proteção integral tiveram 362 mil hectares queimados, o que corresponde a 12% de perda vegetal nessas áreas protegidas.
Mais atingidos
Os estados de Tocantins, Mato Grosso e Maranhão são os mais atingidos. No Tocantins, por exemplo, a área de vegetação nativa queimada pelo fogo, oriundo do desmatamento foi de 6,4 milhões de hectares, ou 33,1% da vegetação do estado. O Mato Grosso teve 4,8 milhões de hectares queimados (96,8% do fogo escapou para vegetação) e o Maranhão, 4,5 milhões de hectares atingidos (92,2%). A Bahia foi o único estado onde a área desmatada superou a área queimada relacionada a esse tipo de incêndio, com 86,6% dos focos afetando vegetação nativa.
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Os dados foram cruzados a partir das bases do PRODES Cerrado, MapBiomas e do Global Fire Atlas, que rastreia a origem e a propagação dos incêndios por satélite. Para o estudo, foram considerados como “fogo relacionado ao desmatamento” os focos iniciados até 1 km de distância de áreas desmatadas, dentro de um intervalo de dois anos após a conversão da vegetação.
Para os pesquisadores, o avanço das queimadas sobre vegetação nativa indica a urgência de rever políticas de uso do fogo, associando-as ao controle efetivo do desmatamento legal e ilegal. “A emergência climática tende a tornar o fogo ainda mais incontrolável, especialmente quando alimentado por práticas insustentáveis. A contenção do desmatamento é, neste contexto, também uma política de prevenção ao fogo”, afirma o estudo.
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