
Fome, desnutrição e insegurança alimentar fazem parte da vida de milhões de brasileiros, segundo indicam os últimos dados da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) no relatório The State of Food Security and Nutrition in the World (Sofi) 2023 (O estado da segurança alimentar e nutricional no Mundo 2023, em tradução livre). O estudo foi apresentado, ontem, na sede da FAO, em Roma.
De acordo com a publicação, que coletou dados até o ano ado, a porcentagem de brasileiros que sofrem por insegurança alimentar grave subiu de 1,9% (em 2016) para 9,9% (2022). Ao todo, 21,1 milhões de brasileiros aram fome nesse período. Entre os casos de insegurança alimentar grave ou moderada, em que há restrição de o a alimentos ou escassez de comida, o número sobe para 70,3 milhões de habitantes, o que representa 32,8% da população. Traduzindo os números, praticamente um terço dos brasileiros enfrenta dificuldades para se alimentar adequadamente.
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Segundo a FAO, os principais fatores que influenciaram esse avanço expressivo da fome, tanto no Brasil quanto no mundo, foram a pandemia de covid-19 e, mais recentemente, a guerra na Ucrânia. Os dois eventos ainda causam problemas na produção e no abastecimento de alimentos em diversos países.
"Em um mundo de abundância, ninguém pode ar fome, ninguém pode sofrer a crueldade da desnutrição. Mas esses dados da pesquisa Sofi desenham uma imagem dura da nossa realidade", avaliou o secretário-geral da ONU, António Guterres, na apresentação do relatório.
Nada resolvido
Para o representante do Programa Alimentar Mundial (WFP) no Brasil e diretor do Centro de Excelência Contra a Fome, Daniel Balaban, o principal motivo para o aumento expressivo dos índices de insegurança alimentar no país — excluindo os fatores externos — foi a descontinuidade dos programas sociais que facilitavam o o das camadas mais pobres da população a alimentos de boa qualidade, como o Fome Zero, do primeiro governo do presidente Lula.
Na visão do representante da WFP, o Brasil deu um exemplo muito forte para o mundo de combate à fome e à pobreza na primeira década do século, o que fez com que a fome fosse quase erradicada do país. Contudo, o principal erro dos últimos governos, na visão do especialista, foi o de achar que o problema tinha sido resolvido.
"A partir de 2014, quando o Brasil saiu do Mapa da Fome, com um número muito baixo de pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional severas, o país praticamente achou que o problema estava resolvido. E o problema da fome nunca está resolvido. Você tem que estar sempre trabalhando em políticas para manter esses números baixos", comenta Balaban.
Outro problema grave destacado na apresentação da pesquisa é o aumento do desperdício de comida. Um relatório do Programa Ambiental das Nações Unidas, em 2021, concluiu que um terço de todos os alimentos produzidos no mundo é desperdiçado. No estudo lançado ontem pela FAO, o Brasil apresentou um percentual bem maior de crianças abaixo de 5 anos de idade afetadas pelo desperdício de alimentos, na comparação com o resto da América Latina (3,1% ante 1,4%).
Para combater essa distorção, o especialista explica que é preciso aproximar o produtor do consumidor. "A gente tem que parar de centralizar a produção de alimentos em locais distantes de onde as populações estão. Você gasta muito com o transporte de alimentos, com armazenamento, e você perde durante o transporte, durante o armazenamento, e, principalmente, quando você vai comercializar esse alimento para o consumidor final", destaca.
Avanços
Mesmo com o aumento expressivo da fome no país desde a última edição do estudo, em 2016, outros dados revelam que o Brasil tem se destacado na América Latina. Há sete anos, a desnutrição atingia 6,5% de toda a população. No ano ado, esse índice caiu para 4,7%.
Além disso, o percentual de crianças abaixo de cinco anos com anemia e de bebês que nasceram com peso muito baixo foi inferior no Brasil se comparado a outros países da América Latina. Também foi inferior à média do subcontinente o número de crianças com atrofia, que representa 7,2% de todo o público referencial.
Boas atitudes de cada um podem também contribuir com a diminuição da fome no Brasil e no mundo, como aconselhou o economista-chefe da FAO, Máximo Torero, na apresentação da pesquisa. "Podemos mudar nosso comportamento de consumo. Pense bem antes de desperdiçar comida todos os dias enquanto muitas pessoas nem conseguem pagar para comer", pontuou.
*Estagiário sob a supervisão de Vinicius Doria
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